quarta-feira, junho 07, 2006

Copa do Mundo

É a Copa do Mundo chegando. No colégio, está havendo um torneio de futebol entre as turmas da quinta à oitava série. Castigo colocar os pequenininhos jogando com os grandalhões. Mas a competição já vale pela festa...

Há tentativas de torcida organizada, há criatividade na hora de fazer os uniformes. A competição hoje foi protagonizada por duas potências do futebol mundial: Brasil e Inglaterra - sexta e sétima séries, meninos e meninas a partir de seus treze anos e seu metro e meio.

O jogo das meninas foi um martírio. Goleada da Inglaterra. As pobres meninas da sexta série, tão pequeninas, tão produzidas, lindas em suas camisetas amarelas que traziam, nas costas, o nome e o número de cada atleta em fita colorida, suaram, ficaram de bochechas vermelhas, caíram no chão, e jogaram-se exaustas na grama ao fim da trágica partida. Mas a esperança estava guardada nos meninos.

O time da Inglaterra trazia jogadores mais encorpados, rapazes já bem crescidos. O Brasil era composto de baixinhos. Dava pena comparar os goleiros dos dois times.

O jogo foi disputado. E o Brasil, com seus pequeninos jogadores, mostrou toda a raça atribuída a seu povo, desde os seus menores representantes. O goleiro loiro, de olhos verdes, metro e sessenta; o mulato mais comprido, aparelhos nos dentes, cara de criança; o moreno de cabelo de molinhas, pernas finas, brinco chamativo em uma das orelhas, querendo pra si o posto de reclamão do time. E havia também o pequeno menino de pele alva e cabelos castanhos, olhos sorridentes e perguntadores. E a figura marcante de um sardentinho, cabelos quase ruivos, quase ondulados, quase no ombro, que trazia consigo a proposta do tal futebol-arte. Quase um gol de bicicleta. Vai, Serginho, era o que gritavam as meninas, em sua primeira paixão juvenil. Vai, Serginho, você faz um sucesso com esse cabelinho! As meninas queriam vê-lo agir, chutar, pedalar, marcar. E ele marcou. Marcou o gol, tombou a cabeça para trás, num agradecimento aos céus pelo seu inegável talento. O pai babava. E também gritava, e deixava escapar um ou outro palavrão quando os cavalões da sétima série, mais violentos e menos preparados, acabavam segurando os brasileirinhos pelo braço. Ingleses de sangue misturado - índio-negro-alemão-português. Mas o ruivinho driblava e agradecia.

A superioridade era inegável. Mas quem disse que a vida é justa? Concederam-se dois pênaltis aos adversários. Fim de jogo com empate. Disputa de pênaltis. E os grandalhões ganharam. Quem disse que a vida é justa? O reclamão do time, que antes estufava o peito na inconfundível postura de jogador de futebol, sentou-se no chão, baixou a cabeça, chorou. Disse não ser nada. Só o time - e a professora de Português, metendo-se com o que não devia, tentava um consolo inútil. O juiz roubou muito, disse o rechonchudo colega que havia ficado de fora. Vai entrar pra história essa roubalheira, outro completou. O mulato mais comprido, de chuteiras douradas, desamarrava os cadarços e dizia, com a voz solene de quem filosofa, que na vida é assim. Nem sempre há justiça. O ruivinho, acompanhado pelo pai agora murcho, já havia desaparecido.

E, praqueles meninos de treze, quatorze anos, a Copa do Mundo já vai começar com um amargor de derrota na garganta, com um amarelo já embaçado na camisa, com menos fogos explodindo no céu do país. Não, a vida não é justa.

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)