quarta-feira, janeiro 19, 2011

Da serra e do mar

Sempre fui das montanhas. E do mar. Sempre, talvez, tenha sido da serra do mar. Escarpada, íngreme, mas com um horizonte dócil e reto. Um horizonte alheio a qualquer movimento.

Mas a serra, a terra, não é firme. Ilusão a minha. Venderam-me como terra firme, o escorrediço. E é, de fato? Toda eu escorrego em medos, inquietações, angústias. As árvores, que antes sombreavam, agora esperam, espiãs. Atentas, talvez, ao menor ruído dos trovões distantes. Atentas ao céu que se liquefaz.

A terra se liquefaz. A serra. Tão certa apontando para o céu. A serra se liquefaz e vamos, a caminho do mar, ainda que por tortuosos destinos. Sempre em busca daquele secreto horizonte, tão firme, tão dócil, tão reto. Tão alheio.

A serra - erra? - que se move e que nos move, nômades aprisionados entre árvores centenárias. O seguro existe? O céu que nos protege?

A serra do mar: ondas. Ondas que se veem de cima do avião, ou das vertiginosas hélices dos helicópteros que se afastam mas não nos escapam. As ondas em que nos posicionamos, rijos, firmes, claros, nobres. As ondas que não se sabe quando vão.

Onde arrebentaremos nós, os (da serra) do mar? Onde a espuma se faz areia, onde o rio se faz oceano? Onde se faz da terra o mar? Onde pomos os pés, sem prancha, sem sabermos se estamos à beira ou em águas profundas? Onde, como?

Inútil tentar descobrir. Serei eu íngreme, movediça, enquanto meus olhos pairam frente ao oceano a tudo alheio? Seremos todos nós?

Por enquanto, é noite, e um luar complacente banha as ondas das escarpas. É noite, e tudo silencia, tranquilamente. Mas, sei eu, sabemos nós, as ondas vêm. E elas não avisam, mesmo em janeiros, quando vão chegar.

1 Comments:

At 7:34 PM, Blogger Unknown said...

Su.
Não há aí quem tenha "perdido a mão das palavras", menos ainda das sensibilidades.
Que jeito mais poético de falar de um episódio tão triste!
Que talento, Su.
Um beijo grande e a admiração de sempre,
Marise.

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)