terça-feira, fevereiro 27, 2007

Mural

Eu já deveria ter transcrito este poema há uns dias, quando o carnaval ainda se fazia inexplicavelmente em céu azul sem nuvens sobre minha cabeça. Mas, como adoro Manuel Bandeira em qualquer essa época do ano, ainda está em tempo...

NÃO SEI DANÇAR

Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.

Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz band.

Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
Eis aí por que vim assistir a este baile de terça-feira gorda.

Mistura muito excelente de chás...
Esta foi açafata...
- Não, foi arrumadeira.
E está dançando com o ex-prefeito municipal:
tão Brasil!

De fato este salão de sangues misturados parece o Brasil...
Há até a fração incipiente amarela
na figura de um japonês.
O japonês também dança maxixe:
acugelê banzai!

A filha do usineiro de Campos
olha com repugnância
para a crioula imoral,
no entanto o que faz a indecência da outra
é dengue nos olhos maravilhosos da moça.
E aquele cair de ombros...
Mas ela não sabe...
Tão Brasil!

Ninguém se lembra de política...
Nem dos oito mil quilômetros de costa...
O algodão do Seridó é o melhor do mundo?... Que me importa?
Não há malária nem moléstia de Chagas nem ancilóstomos.
A sereia sibila e o ganzá do jazz-band batuca.
Eu tomo alegria!

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É, carnaval é mesmo "tão Brasil". E ninguém se importa com nada. E isso não é mesmo bom?

A propósito, o "Não sei dançar" (assim como vários outros textos do Bandeira) foi escrito aqui em Petrópolis, 1925. Saudades da época de ouro da minha cidade - que não conheci.

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)