segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Dive

"Existe uma comunhão essencial na natação, como em todas as atividades flutuantes e, por assim dizer, musicais. Além disso, há a maravilha da flutuação, de ficar suspenso naquele ambiente espesso, transparente, que nos ampara e nos envolve. Podemos nos mover na água, brincar com ela, de um jeito qeu não tem nada de análogo ao que se passa no ar. Podemos explorar sua dinânica, o seu fluxo, numa direção ou em outra. Podemos mover as mãos como hélices ou direcioná-las como pequenos lemes. Podemos nos transformar num pequeno hidroplano ou submarino, investigando a física do fluxo com o próprio corpo." - Oliver Sacks, em "Por que adoro nadar" (piauí, janeiro)
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Ela jogou-se às pequenas ondulações daquele mar transparente, e deixou que a água batesse em suas coxas, delicada. Havia a brisa que assoviava em seus ouvidos e desarrumava os antes ordenados cachos castanhos, mas ela não se importava com isso. Movia-se rapidamente em direção ao verde mais escuro, e já sentia a água envolvê-la até pouco acima da cintura, quando ela, então, se jogou naquele cristal que balançava. O corpo todo, num arrepio, esfriou-se ao intenso contato com aquela água alegre e límpida. Abriu os olhos e viu os desenhos que o ir e vir das águas imprimia na areia branca e fina; viu também pequenos peixes apressados e sinuosos passando debaixo de seu ventre. Ganhava o mar com suas braçadas, e sentia o rosto arder levemente com aquele sal, repuxando sua pele. Nadava sozinha, experimentando a visão de sua sombra desenhada no chão, brilhando aos raios do sol do meio-dia. Seu corpo era outro, mudara o seu peso. Mais algumas braçadas e ela atingia uma profundidade maior; seus pés não mais alcançavam a areia que, contudo, ainda era vista, nitidamente. Agora, sim, podia descansar; as pessoas brincavam ruidosamente na gentil arrebentação, distantes, e ela se via sozinha entre as duas ilhas de praias de areias finas. Havia uma corrente de água gelada, e seu corpo se retesou àquele inesperado. Virou-se de barriga para o sol, dava braçadas olhando para o céu, via as gaivotas voando em bandos e mergulhando em vão. Dançavam. Ela também dançava, e era levada suavemente pelo mar balançante, equilibrando-se naquela massa fria e delicada. Mergulhava, tentava achar o fundo, não o encontrava, subia à tona, respirava ofegante. Fingia perder os sentidos para sentir-se afundar. Movia as mãos, agitando as calmas águas. Não ouvia mais os gritos de alegria e susto das crianças com seus baldinhos no encontro com as ondas, mas sim o barulho do vento, dos pássaros e da água que, vez ou outra, chocava-se mais firmemente com seu rosto. Havia a alegria do contato, do mergulho, do encontro. Não pensava em nada, só sentia. Deixava-se levar, sem leme, à deriva, só para depois nadar mais, e mais, e mais. Só para depois exigir de seus braços e pernas o vigor e a desenvoltura dos movimentos coordenados. Só para depois olhar em direção à areia branca e pensar, unicamente, que aquele era o seu objetivo.

Ela nadou até o encontro das pequenas ondas com a areia branca e fina. Seus pés tocaram o chão macio, e o vento secava a água e o sal que escorriam de seus cílios, seus cabelos. Os olhos franzidos encaravam o céu intenso, encaravam os guarda-sóis meticulosamente alinhados. Ela saiu do mar, mas era outra. Límpida, calma, clara, ela saiu da água e deitou-se na areia, braços abertos buscando o calor. Límpida, calma, clara, cheia de sal em seu corpo, ela sentiu a maresia envolvente que lhe punha em secreta sintonia com aquele mundo em que submergira. Era uma mulher de vários mundos, ela, tão banal. Sorriu para o sol, seu cúmplice. Lá estava o mar. E lá ela se descobria, profundamente.

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)