quarta-feira, janeiro 31, 2007

Wear sunscreen

"If I could offer you one tip for the future, sunscreen would be it. The long-term benefits of sunscreen have been proved by scientists whereas the rest of my advice has no basis more reliable than my own meandering experience... I will dispense this advice now."

Se você ainda não identificou essa bela citação, certamente vai se lembrar de "Filtro solar", texto que o Pedro Bial eternizou em uma canção que ninguém mais agüenta ouvir em festas, mensagens de fim de ano, apresentações de Power Point e afins. "Usem filtro solar", e essa frase, usual em campanhas publicitárias há um tempo, tornou-se um mantra repetido aos quatro ventos.

Estou criando uma certa aversão a filtros solares, e não é só por causa do Pedro Bial. O filtro solar atrasa minha vida. É preciso aproveitar a manhã ensolarada, rara neste verão, e eu estou protegendo minha pele, gastando quase uma hora nisso. Talvez exagere, é verdade. Certamente poderia gastar menos tempo e creme (ou gel, ou spray, ou qualquer coisa que valha), mas adquiri uma certa fobia de ficar ardida depois da praia. Por isso, tenho experimentado os mais variados fatores de proteção, as mais variadas marcas, cores, perfumes, preços, consistências.

Eu me lembro vagamente da época em que ia para a praia sem nada no rosto. Ficava vermelha? Sim. Descascava? Certamente. Mas ficava ao sol sem culpa alguma, sem pensar em melanomas ou sardas ou envelhecimento precoce ou radicais livres. Nem minha mãe pensava nisso. Num tempo anterior aos filtros solares, minha mãe sempre soltou pipa de cara pro sol, e depois lavava o rosto com água-de-arroz para ficar sem sardas - conselho de minha bisavó. Acho que fez efeito: minha mãe sempre tomou muito mais sol que eu e tem o rosto com pouquíssimas manchas. Também não envelheceu precocemente, e só começou a usar creminhos e cosméticos há cerca de duas décadas, com o advento dos placebos (em que eu acredito, apesar de tudo) que passaram a povoar as prateleiras, vitrines e livrinhos da Avon. Eu, cheia de sardas, busco me proteger atrás dessa muralha que impede que os raios de sol - tão bons! - cheguem à minha pele.

Sem qualquer vaguidão, lembro-me perfeitamente do primeiro filtro solar com que tive contato: Spectraban. Minha mãe comprou na farmácia antes de irmos para uma temporada na praia, e disse, com a mais absoluta confiança, com a certeza de proteção inabalável, que estaríamos protegidas e poderíamos ficar no sol o quanto quiséssemos. Eram duas embalagens nem um pouco atraentes, tubos de pomada - um de gel, outro de creme - oferecendo-nos toda a segurança que um filtro solar de fator 4 pode proporcionar à pele de uma criança quase loura e de olhos claros. Imaginava-me protegida, livre do perigo das vermelhidões e coceiras que o sol me causaria. Pobres de nós.

O filtro solar começou a deixar de ser remédio - aquele produto que só pessoas problemáticas, com intolerância ao sol usavam - para se tornar imprescindível na vida de qualquer pessoa, branca, negra ou amarela. O fator 4 começou a se tornar mal visto quando pipocaram nas farmácias os filtros de fator 8, tão mais eficientes. Logo, todos vocês sabem, o 8 já não bastava mais, e o 15 passou a ser o máximo de proteção para as pessoas. O 20 surgiu para pessoas branquelas demais, e o aparecimento do 30 me deixou um pouco surpresa: "meu Deus, onde isso vai parar?" Não sonhava que ainda haveria o fator 60, totalmente inconcebível, um exagero de proteção e alimento para as neuroses deste mundo moderno. E pensar que minha mãe passava Rayito de Sol - sim, aquele bronzeador que deixa a pele amarronzada mesmo que se fique na sombra - sem culpa ou medo algum.

Vou para a praia, e não posso deixar de comprar filtros solares, apesar de quase odiá-los. Compro um fator 15, em creme. Compro um fator 20, creme, também, mas esporte (como se eu praticasse algum), que dura seis horas. Compro um outro fator 15, esporte, também, mas em spray, porque o protetor solar de longa duração é mais difícil de passar, tomando-me mais tempo de praia. Fujo dos protetores solares infantis, de embalagens divertidas e chamativas, de longa duração, mas de sérias conseqüências para o esmalte com que você acaba de pintar suas unhas. É que eu jamais me esquecerei do Sundown para crianças, embalagem com borrifador, creme verde e com cheirinho de melancia - um luxo! Na pele, porém... Eu ficava grudenta, um pouco esverdeada (não, a cor verde não sumia após poucos minutos, como prometido), enjoada com o cheiro, e com as unhas catastroficamente danificadas. Verdes, claro.

Há ainda os outros produtos: um protetor solar para os cabelos e couro cabeludo, um especialmente para o rosto, de textura mais leve, o labial, imprescindível... Na minha bolsa de praia vão, no mínimo, quatro embalagens de filtros solares das mais diversas funções.

É hora de ir para a praia, e vem o solene momento de espalhar filtro solar no corpo inteiro. Não posso me esquecer de lugar algum, especialmente as orelhas e o peito dos pés. Ah, atrás dos joelhos - a displicência é sofrimento garantido. Não é necessário falar que muitas vezes, quando fui para a praia depois de todas as etapas, o sol já havia sido encoberto por nuvens - o que, ainda assim, não faz com que o filtro solar seja dispensável.

Espalho de maneira irregular o creme - ou gel, ou spray, ou qualquer coisa que valha - nos ombros e o estrago está feito: vou descascar em um lugar ou outro. Lá se vai toda a minha técnica de paciência e constância para conseguir ficar bronzeada sem as desastrosas conseqüências. Depois, haja filtro solar em cima, para tentar uniformizar os tons. Se não der, de toda forma, há a maquiagem para disfarçar as manhcas: pó de efeito bronzeado (com filtro solar, claro). Assim como o batom. E a base. E o blush. E os cremes todos. E os shampoos e condicionadores.

Vou para a praia, morro de medo de qualquer sudorese excessiva que lave o filtro solar tão meticulosamente espalhado antes. Pra evitar qualquer problema, fico debaixo do guarda-sol quase o tempo inteiro. Parei de me estirar na areia, torrando. E uso camiseta quando vou andar.

Passam-se os dias de verão, e eu me vejo saudavelmente morena ao espelho. Menos branca, talvez: um quase bronzeado. De efeito não tão duradouro, já que dias antes havia espalhado o maldito filtro solar irregularmente nos ombros.

Volto para casa, sem arder, sem sofrer, sem calores ou calafrios da pele quente de depois da insolação. Chego à Petrópolis européia de constante neblina, vestida ainda à moda praia. O primeiro comentário que ouço, não sem alguma malícia, é algo como: "nossa, Suzana, nem parece que você foi à praia!" Antes do filtro solar, praia era sinônimo de vermelhidões horrendas, de peles manchadas exibidas orgulhosamente nas calçadas serranas - "aquela moça deve ter passado uns dias em Cabo Frio!", é o que pensam todos. E, quanto mais tempo durasse o processo de renovação da pele, mais tempo duravam as vivas memórias dos dias de praia. Maldito filtro solar.

Se não descuido dele, sou neurótica. Se sou displicente, sou irresponsável porque não penso no perigo que a pele corre por causa da radiação solar e o buraco na camada de ozônio e o envelhecimento precoce que é causado e ainda o perigo de uma doença séria. Por isso, cedo às ameaças dos médicos, publicitários e jornalistas, como o Pedro Bial, e faço a festa nas prateleiras desses produtos cada vez mais diversos, gastando, literalmente, aos tubos para me proteger dos efeitos nocivos dos raios do astro-rei. Até que se descubram os efeitos nocivos do filtro solar, esse nosso carcereiro. Voltarão os tempos do Rayito de Sol?

1 Comments:

At 11:32 PM, Blogger Nelson said...

Meu descuido com o "bendito" que deixei na mochila naquele passeio até Araras me deixou lembranças que ainda não foram embora, ainda bem que são lembranças de um dia que eu não quero mesmo esquecer tão cedo.

Bjinho !

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)