Mural

TERNURA
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...
Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
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Acho bonito. Lembra-me "Samba e amor", do Chico. Lembra-me tantas coisas no tal exercício de intertextualidade.
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Poderia ficar transcrevendo David Mourão-Ferreira incansavelmente. Acho belíssimos os poemas. Para aguçar a curiosidade de quem não o conhece, cito mais um:
ILHA
Deitada és uma ilha E raramente
surgem ilhas no mar tão alongadas
com tão prometedoras enseadas
um só bosque no meio florescente
promontórios a pique e de repente
na luz de duas gémeas madrugadas
o fulgor das colinas acordadas
o pasmo da planície adolescente
Deitada és uma ilha Que precorro
descobrindo-lhe as zonas mais sombrias
Mas nem sabes se grito por socorro
ou se te mostro só que me inebrias
Amiga amor amante amada eu morro
da vida que me dás todos os dias
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Bonito. De novo. E tanto mais há no livro... Nos livros todos. E poderia ficar citando, citando, citando... Sempre há algo a se descobrir, e a se redescobrir. Como David Mourão-Ferreira.
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