domingo, dezembro 31, 2006

Aos pés de 2007

Não queria escrever este post. Ou queria escrever algo diferente - muito embora não saiba exatamente o que vai sair a partir de agora (na grande maioria das vezes, começo um texto sem saber o que vai ser dele, sem saber como acabará, e este não é exceção). Queria fugir a todos os lugares-comuns que se fazem nestes momentos. Desejos, planos, promessas, um blá blá blá infinito de palavras vazias que não farão o menor sentido à chegada da primeira segunda-feira (útil, é bom dizer: dia oito de janeiro). Ou antes. Afinal, desejos, planos e promessas não nos levam a lugar nenhum, mesmo.

Não chamo isso de pessimismo, mas também não sei do que posso chamar. Sinto algo que não é muito especial na virada de um ano. Ou, talvez, não sinta. E toda a minha negativa anterior resume-se à idéia de que o planejamento simplesmente não existe, e que a vida acontece agora.

Se planejo emagrecer? Planejo guardar dinheiro, pintar os cabelos, voltar pro francês, comprar vários DVD´s, conhecer pessoas novas, aprender a fotografar, jogar fora papéis velhos, ser mais calma no trânsito? Não será agora que isso se definirá. Não será nenhum espírito de fim de ano que me levará a qualquer dessas coisas no ano que chega empurrando tudo, sem pedir licença.

Além do mais, somos, de certa maneira, atemporais. Não nos medem os dias, não nos definem as semanas: a vida se constrói ao longo. A vida se constrói ao largo dos desejos, planos e promessas. A vida, ela mesma se constrói.

Vou comemorar, eu sei. Música, fogos e bebidas. Taças e corpos se tocando. Desejos, planos e promessas. Em vão.

Aos pés de 2007, sinto que nada mudou. Nada mudará? Não se sabe. Estamos aí, à mercê de não se sabe o quê. Estamos aí.

E acabei sem fugir aos lugares-comuns.

2 Comments:

At 3:18 PM, Anonymous Anônimo said...

Uma lição de otimismo pra ti, proferida por um conterrâneo meu e recolhida pelo Graciliano Ramos no xilindró.
Beijo!

"A chegada mais rumorosa foi a de Apporelly. Estávamos recolhidos, e a Rádio Libertadora, em meio do programa, comunicou o sucesso
– Fala o Barão, exigiram de vários cubículos.
Sem demora, uma voz pastosa, hesitante, anunciou a teoria das duas hipóteses. Risos contagiosos interromperam com freqüência a exposição. Consegui entendê-la por alto. Otimis ta panglossiano. Apporelly sustentava que tudo ia muito bem. Fundava-se a demonstração no exame de um fato de que surgiam duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. Ali onde vivíamos, Apporelly afirmava, utilizando o seu método, que não havia motivo para receio. Que nos poderia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se, nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor, esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve, muito bem: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findava aí. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois essa desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela."

 
At 3:34 PM, Anonymous Anônimo said...

custou pra eu entender que entre dezembro e janeiro existe a mesma distância que há entre junho e julho.

talvez porque a gente acostuma a ver o ano de maneira plana, como no mapa mundi, e não entende como o japão pode ser tão próximo e tão distante. será?

acho que sim.

um ano novo não significa nenhuma mudança. também penso assim. mudamos nós e, mesmo assim, se o livre arbítrio permitir.

né?

beijooooooooooo

 

Postar um comentário

<< Home

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)