sexta-feira, abril 04, 2008

15h40

Uns olhos doces, doces, e as mãos me dizendo que podia chover o quanto de água houvesse para cair pelo resto daquela tarde. Que chova, ela dizia, eu pensava - e chovia. A voz dela escorria quente pela minha pele, e havia em seu cheiro algo da terra molhada lá de fora, a terra seca se abrindo à primeira chuva depois do estio. As mãos me dizendo que não era preciso dizer mais nada, e nós nos entendíamos apesar das palavras desencontradas e supérfluas. Beba o seu café, eu disse, vai esfriar, e ela me obedecia sem pensar nos gestos, levada que estava - que estávamos - pela sensação irrestível de, sem refletir, sem pesar, sem medir, deixar-se ir, deixar-se levar, levar, levar. Ela bebia o café enquanto eu a observava, e nós nos dizíamos, do fundo de nossas almas de jovens modernos, o mais antigo discurso amoroso. Nós nos levávamos, juntos, sem saber por quê, mas nos levávamos - e era bom, era bom, Deus, como era bom.

Ela me dizia que perdera o desejo do irresistível havia muito, e que se acostumara às emoções submetidas à ordem dos dias. Sabia o que esperar, sabia o que fazer e o que receber em troca. Passou a viver sem pensar no se. Sem pensar no ou. Até que.

Eu também me sentia um pouco como ela. Os anos anteriores pareciam alheia história. Todo o tempo organizado segundo critérios racionais e inteligentes. A otimização de tempo, de dinheiro, de esforços, de tentativas. Até que.

Chovia, e deixamo-nos levar. Era dia útil, horário comercial, e chovia. O mundo acontecia lá fora, os guarda-chuvas coloridos se esbarravam na calçada lotada. Havia tanta coisa a fazer, e deixamo-nos levar. Telefones tocavam, chamando-nos, mas já era tarde. A chuva carregou-nos para dentro um do outro. Dia útil. Horário comercial. E nós nos amávamos.

1 Comments:

At 4:06 PM, Blogger r a c h e l said...

Ah, menina, quanta poesia! Lindo, adorei!

Beijos (saudade de te ler!)

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)