quinta-feira, janeiro 20, 2011

Unexpected?

No dia em que meu pai morreu, eu parecia alguém representando um papel - mas não era eu, exatamente. Vesti-me perfeitamente no papel de filha de luto, alguém entre a dor e o respeito, entre o silêncio e o soluço. Vesti-me, embora colorida, da sobriedade que a situação exigia. E eu era mais situação que qualquer outra coisa.

Por entre as horas que passavam, no entanto, a dor se infiltrava, silenciosa. E aquela segurança minha, aquela sórdida segurança que esconde o terreno instável em que nos encontramos, aquela segurança se liquefazia, aos poucos, em lágrimas solitárias e medrosas. A dor me ganhava.

Não sei como, não sei quando sofri. Talvez tenha sofrido por toda a minha vida, e também o sofro agora. Talvez tenha me acostumado ao sofrimento que me acomete a cada vez que meu corpo toca o lençol e a luz tênue do abajur se esvai. Talvez nunca em minha vida tivesse me dado conta de que o que tanto se teme também se torna real.

Antes, tentando me acalmar, pensava às vezes que aquilo que mais tememos é o que jamais acontecerá. Mentira. Mas também não acho em mim qualquer capacidade premonitória. Acho em mim, sim, uma dor fria, quase coagulada, que não me faz abrir a boca em grito.

Mas abro a boca, talvez em suspiro. Ou abro os olhos, tentando impedir, em vão, que a lágrima corra rosto abaixo. Tentando impedir que a dor soterre qualquer vontade de vida.

No dia em que meu pai morreu, eu morri um pouco, também. Eu morri bastante. E enterrá-lo, sob um sol ironicamente brilhante e feliz, entre suspiros de tristeza profunda e de calor sufocante, fez com que enterrasse uma grande parte de minha vida. Aquela parte em que bastava fechar os olhos e imaginar que tudo ficaria bem, que pegaria no sono. Aquela parte em que, na verdade, eu tinha a plena certeza de que tudo ficaria bem. Lindos tempos, esses.

2 Comments:

At 1:45 PM, Blogger Henrique said...

Lindo demais; não contive a emoção durante a leitura. Suas palavras concretizaram sentimentos que eu apenas 'sentia' mas não conseguia traduzir. Obrigado.

Henrique.

 
At 1:45 PM, Blogger Henrique said...

Lindo demais; não contive a emoção durante a leitura. Suas palavras concretizaram sentimentos que eu apenas 'sentia' mas não conseguia traduzir. Obrigado.

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)