segunda-feira, abril 14, 2008

Desfecho

Mastigava ruidosamente um chiclete de cheiro forte. Eu tentava olhar em seus olhos, mas não conseguia. A janela, o céu, a rua – tantos outros interesses. Eu tentava pegar em sua mão, mas não conseguia. Tentava dizer também alguma coisa, mas as palavras se congelavam em minha garganta, e eu não pude fazer nada além de pigarrear timidamente. Da rua vinha um barulho incessante de agitação, e eu tentando me fixar; fixar meu olhar no dela, minhas mãos nas dela, minhas idéias. Mas nada. Ela olhando a rua, eu sentado no chão, recostado numa parede. Havia já muito tempo que estávamos naquela situação ridícula. Horas? Não sei, talvez algumas poucas dezenas de minutos, mas eu tinha a sensação de que uma poeira de anos me cobria. Silêncio, é claro, se eu não considerasse o barulho da rua, lá fora. E o barulho do chiclete que ela ia mastigando ruidosamente que, àquela altura, já não devia ter mais gosto nenhum. Pelo menos ela estava fazendo alguma coisa, concentrando-se toda nos maxilares, violentamente, às vezes; eu buscava o que fazer, o que falar, mas havia um imenso vazio em torno de mim, um imenso e empoeirado vazio. Levantei-me do chão e me sentei na cadeira no canto da sala.

Ela estava à janela, concentrada lá fora e em seu chiclete. Então, eu disse, e só disse isso. Ela não olhou para mim, mas pude adivinhar que ela arqueou a sobrancelha direita como só ela sabia fazer, e o seu olhar adquiria um tom de piedade e deboche. Devagar, ela se virou. Primeiro, olhando o chão de madeira riscado, depois subindo aos poucos, parecendo examinar cuidadosamente os pés da cadeira em que eu estava sentado, olhando vagamente a parede nua, desviando-se inicialmente do meu rosto. Então, eu disse novamente, e ela perguntou então o quê, e eu não sabia o que dizer, mas só o fato de poder ouvir dela qualquer coisa que não fosse o som do chiclete barulhento significava-me um anúncio de reconciliação. Ela esperava que eu continuasse, eu só pude me levantar e segurar frouxamente suas mãos, e ela me olhou sem me dizer palavra, enquanto os olhos escuros cresciam e se tornavam quentes, densos e úmidos.

Não chore, foi o que consegui dizer, já começando a sentir minha própria voz embargada depois de tanto silêncio. Não chore, mas eu chorava; chorávamos quietos, quase sozinhos. Separava-nos a dor da poeira das horas, do vazio, das palavras ditas e não ditas, das palavras incompreendidas. Me desculpe, ela disse, e eu não soube o que fazer, apenas apertei suas mãos e puxei-as para um abraço quase violento, de soluços e espasmos. Me desculpe, ela disse, e não disse mais nada. Afastou-se do meu peito para olhar meu rosto, secou minhas lágrimas e me fitou como quem dissesse vem. Eu fui.

1 Comments:

At 1:25 PM, Blogger r a c h e l said...

"mas eu tinha a sensação de que uma poeira de anos me cobria"... além dessa frase que está maravilhosa, o texto todo está muito bom, denso, bonito.
Parabéns amada,

Beijoca,

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)