terça-feira, junho 20, 2006

Cenas de Junho: Clariceana

E como não havia muito mais o que fazer naquela tarde, decidiu ir ao shopping. Perto do shopping, porém, algo muito mais interessante - porque, de certa maneira, novo - se apresentava... Lá estava o hortomercado, cheio, com seus muitos vendedores, com seus muitos clientes, com sua incrível aquarela colorida de frutas, legumes, flores. Os pimentões, lustrosos, convidavam ao toque. Os cheiros de temperos vários seduziam. Tudo era tão assustadoramente novo, como se ela visse o mundo depois de emergir do mar, às seis da manhã. E as flores estavam lá, humildemente colocadas em baldes, pedindo a atenção de quem passasse.

Não era difícil. Ela viu as flores, e surgiu a tentação. Buquê de rosas quase fechadas, submissas. Porém, mais abaixo, as flores do campo, de um colorido quase artificial, encontraram seu olhar. E aí foi irresistível: aquelas flores já eram dela, desde o primeiro momento. A combinação de cores deixava-a tonta, assim como o seu perfume - um perfume simples, simples como as próprias flores, na sua humilde altivez de flor do campo. As flores eram dela. Imitando-as, imitando sua orgulhosa simplicidade, ela saiu com as flores embrulhadas no mais discreto papel, abraçando o buquê como quem abraça um filho, sentindo-se, pela primeira vez, a mulher ancestral e visceral que ela era, e que o duro asfalto da cidade encobrira por tanto tempo.

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)