sexta-feira, setembro 01, 2006

Mural

É que havia já algum tempo que não lia nada do Manoel de Barros. E então peguei, novamente, um livro seu, tão disponível na estante, tão agradável ao tato, tão bonito e infantil com um desenho bem rabiscado na capa: Tratado geral das grandezas do ínfimo. Pra ilustrar, vão abaixo dois poemas:

A DISFUNÇÃO

Se diz que há na cabeça dos poetas um parafuso a menos

Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso trocado do que a menos.
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa disfunção lírica.
Nomearei abaixo 7 sintomas dessa disfunção lírica.

1 - Aceitação da inércia para dar movimento às palavras.

2 - Vocação para explorar os mistérios irracionais.

3 - Percepção de contigüidades anômalas entre verbos e substantivos.

4 - Gostar de fazer casamentos incestuosos entre palavras.

5 - Amor por seres desimportantes tanto como pelas coisas desimportantes.

6 - Mania de dar formato de canto às asperezas de uma pedra.

7 - Mania de comparecer aos próprios desencontros.
Essas disfunções líricas acabam por dar mais importância aos passarinhos do que aos senadores.


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POEMA


A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.

Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.

Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

Fiquei emocionado e chorei.

Sou fraco para elogios.

1 Comments:

At 10:57 PM, Anonymous Anônimo said...

Adorei conhecer Manoel de Barros por aqui (aliás, parece que tô te devendo algumas apresentações ao mundo literário... thanks!). Ele soube expressar bem o que é um poeta. Andei reconhecendo nesses versos uma meia dúzia de gente que tenho certeza tem poesia no sangue, na alma, nos dedos e... tomara saibam disso!

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)