sexta-feira, agosto 25, 2006

Um mundo

Às vezes tenho vontade de escrever sobre a vida, só. Só isso - como se fosse pouco.

Um aluno me abraçou dizendo que gostava de mim, e eu recebi um desenho de uma menina, caprichosa, num gesto de carinho. Eu sorri quente pra eles.

Outro aluno me dizia, vibrando, que o Kiss - sim, o grupo de rock - estava entre nós. Não conseguia entender tudo o que dizia. Sei que ele também citou Guns N´Roses, e eu fiquei tentando, em vão, ensiná-lo a pronunciar corretamente.

Outro aluno me contou que comprou um livro que denuncia as selvagerias da tropa de elite. E disse, consciente, que o vendedor havia lhe avisado que não leria lá uma históra "cheia de cavalheirismo". Sabia que encontraria palavrões, e que sentiria medo. Mas se interessou pelo tema, e pela leitura. Ele está só na sexta série, e não levou o livro para me mostrar porque ficou com medo de amassá-lo.

E há as crianças, centenas, milhares, que sofrem aqui por perto. Num raio de 500 metros, 50 km. No mundo todo.

Há a menininha de cinco anos que morre de medo de exame de sangue, mas terá a coluna reconstruída daqui a um mês. Não anda, mas brinca. Sofre, mas sorri, tímida.

Há o menino que operou a perna. A pele, manchada, denuncia as condições - nada boas - em que ele vive. O menino chora, e a mãe lhe dá um beliscão silencioso, promessa de alguns tapas mais tarde.

Há o mundo inteiro. Há um mundo que grita dentro de mim, e é um mundo que não é suspeitado. Há pessoas que nunca terão seu lugar. E são apenas crianças.

O futuro pela frente. E todas sorriem. Com ou sem esperanças, com ou sem família, com ou sem refrigerante no fim-de-semana. E todas, no futuro pela frente, serão parte deste mundo que grita, ainda que silencioso.

Às vezes tenho vontade de sentir a vida, só. E emudecer.

1 Comments:

At 12:13 AM, Anonymous Anônimo said...

Fez bem em, desta vez ao menos, não emudecer. Brindou-nos com um belíssimo texto!

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)