segunda-feira, outubro 23, 2006

Do anúncio do verão

Quase novembro, e faz frio. Onze graus agora, à noite. Chove, e hoje eu peguei uma das maiores cerrações de minha vida. O branco se instalou nos meus olhos. A temperatura do branco: o frio, molhado. A cegueira que se instala nos olhos de todos, um guarda-chuva colorido - barulho no silêncio denso como a nuvem em que caminho sem romper.

E, ainda assim, eu acordei sentindo o cheiro do anúncio do verão.O anúncio do verão não é simplesmente a primavera. A primavera é indecisa demais e, embora colorida, traz consigo um véu que a tudo cobre, volúvel. Não é assim o anúncio do verão.

O anúncio do verão é a promessa dos dias mais longos, ensolarados, mas não secos, com cheiro de terra molhada e sugestão de árvore de Natal. O anúncio do verão pertence aos meses de novembro e dezembro.

É quando se vislumbram as férias, os dias preguiçosos, mas cheios de uma energia que não se encontra em outra época do ano.

O anúncio do verão é o roçar da saia nas pernas suadas, é o sorvete tomado às pressas para não derreter, é o perfume que se adocica na nuca, às seis da tarde.

Calçadas cheias não fazem com que ninguém se impaciente no anúncio do verão: dá gosto andar pelas ruas e respirar o ar perfumado das árvores à beira do rio. Há um cheiro que prenuncia o mar, embora na montanha: é um cheiro que prenuncia toda a lassidão em que mergulham os corpos, é um cheiro que se entranha em minha pele e me acompanha no caminho dos dias - e das noites.

Meu corpo não agüenta mais o contrair-se e ressecar-se do frio. Quero a tontura quente dos dias úmidos, quero que o mundo escorra lentamente, fecundo.

E, embora faça frio, minha alma já grita numa explosão de anunciação: quente, úmida, fecunda. De brisa, de calor, de mar. Em minha alma, o verão já chega: eu o adivinho.

(Fotografia de Maria de Fátima Silveira)

1 Comments:

At 11:23 AM, Anonymous Anônimo said...

na minha também!

tanto é que nem tô mais tão bege lagartixa sabe?

roubei um teco do sol no final de semana.

beijoooooooo

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)