terça-feira, outubro 17, 2006

Espancando Nemo - Apontamentos sobre uma ida a Búzios

As meninas estão ficando muito iguais. Cabelos iguais, roupas idênticas, mesmos sapatos. Andar à noite na rua movimentada traz a sensação de que houve produção em série de adolescentes altas, magras, cabelos invariavelmente lisos, vestidos curtos e fluidos. O mesmo sorriso, o mesmo empinar de nariz. Preocupo-me com a filha que ainda não tive: o que vou fazer para que ela não seja, simplesmente, mais uma a andar de noite na Rua das Pedras?

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"Dou minha cara a tapa se aquela mesa não é turismo sexual."

"Só porque são três estrangeiros de meia-idade com três mulatas de bunda grande e roupas insinuantes num restaurante na beira da praia? Acho que você é muito preconceituoso, meu bem."

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Acho que eu sou a única pessoa do mundo que compra um "Dicionário de termos literários" numa livraria da Rua das Pedras, num sábado à noite.

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Acho também que eu sou a única pessoa do mundo que passeia na Rua das Pedras com um guarda-chuva a tiracolo. Bem, para isso servem os namorados.

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"Muy precioso", a chilena não cansava de dizer. Pediu à argentina que tocava MPB num barzinho que a próxima fosse "País tropical". Cantou, enrolando as palavras. E se embebedava com caipirinha.

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Aliás, caipirinha é o que mais se bebe. Não tem nem pra cerveja. (Diga-se de passagem, a caipirinha costuma ser péssima nesses lugares.)

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Praia cheia. Brasileiros? Nem tanto. Bastava um breve olhar e perceber a quantidade de pessoas que liam na areia.

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Como não poderia deixar de fazer, aluguei, por uma hora, máscara, snorkel, pé-de-pato - como brinde, recebi uma garrafinha com miolo de pão para jogar aos peixes. Entrei na água, e me dirigi aos corais, onde ficam os cardumes. Não era longe; nem foi preciso nadar muito. Abri a garrafinha e os peixes vieram, vorazes. Há seis meses os peixes - parecidos com a Dory, de Procurando Nemo - me receberam com um ar quase blasé - mas não foi assim dessa vez. Eu senti centenas de peixes à minha volta, buscando os pedaços de pão, esfregando-se nos meus braços. Imaginava as boquinhas - com ou sem dentes? - na minha pele. Acho que as sentia, na verdade. Fechei a garrafinha, e nem assim eles pararam. Tive que tentar espantá-los! Mesmo sendo quase atacada, mantive minha consciência ecológica, e não atirei longe a tal da garrafa. Mas xingava os peixes. Desbocadamente. "Saiam daqui, seus peixes filhos da puta!!! Sai, seu peixe-piranha!!!!" Falava sozinha, em voz alta, certa da solidão. Suposta solidão. Havia vários barcos, vários caiaques, várias pessoas nadando e mergulhando. Imagino a perplexidade de quem estava por perto vendo uma criatura de snorkel se debatendo na água, xingando impropérios, desconsolada. Abrindo os braços sem parar. E também as pernas, para se manter estável. E o pé-de-pato direito escorregou do meu pé pueril. Ainda pensei que ele boiaria, às voltas que estava com os peixes vorazes. Boiou? Nada. Foi pros corais. Procurei, procurei, procurei. Perdi o outro, também. Bom, um pé só não adiantaria de nada. Gastei oitenta reais por causa dos peixes filhos da puta. Mas morri de rir com a seqüência de pequenos desastres. Como quando bati o nariz na barbatana do guarda-sol. Como quando fui beber água da garrafa que estava fechada, no chão, e fiquei com o rosto cheio de areia. É que nada tirava de mim a felicidade, que ia se esticando como chiclete em boca de adolescente.

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Búzios é um lugar lindo. Mesmo com o céu e o mar gris.

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E o sol, e as sombras, e a chuva, e o vento que embaraçou dezenas de vezes os meus cabelos. E as fotos, e os peixes quase assassinos, e os passeios, e os barcos, e os pés na areia. E nós. E nós lá, esquecendo-nos de todo o resto do mundo. Esquecendo-nos de que há neblina na serra, que há trabalho durante a semana, que há contas a serem pagas. Carpe diem. Instante-já. Aqui e agora.

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Deus, que as férias venham logo!

9 Comments:

At 11:34 AM, Blogger Segunda Pele said...

Também me pergunto o que vai ser daqui uns tempo, se a coisa já tá tão ditadora quando o assunto é moda, beleza. As pessoas dão muito importância a isso. Claro que se sentir linda é ótimo, mas muito calma nessa hora!
Búzios deve ser o paraíso!

Beijos

 
At 8:14 PM, Blogger devaneios said...

Não só as garotas andam muito iguais, ams os garotos também...
turismo sexual??? isso existe mesmo??? :P
Buzios é um lugar bonito mesmo...mas a saudade da serra....sempre existirá!
beijos!

PS: não me importo, não. queria saber fazer tb...(preguiça!)

 
At 12:37 PM, Anonymous Anônimo said...

Hipócrita!

Coloca logo que o "********" era: Seus peixes "FILHOS DA PUTA". Soa mais verdadeiro. E mais divertido também. :)

 
At 9:12 PM, Anonymous Anônimo said...

quanta reflexão
pra um feriadão, né?


lindas as fotos
as palavras
as percepções

e nem choveu tanto, né?

beijoooooooo

 
At 10:21 AM, Anonymous Anônimo said...

hauahuahauhauah... fico imaginando a cena com os peixes!!!
Ver uma cena dessas em Búzios: isso, sim, é uma atração turística de respeito!!! :-)

 
At 11:16 AM, Blogger ... said...

Está ficando tudo muito igual mesmo...
Mas enquanto existirem pessoas que falam com peixes ainda há uma esperança!

 
At 6:36 PM, Anonymous Anônimo said...

Dá para explicar melhor esse lance de beber água de garrafa fechada e ficar com a cara suja de areia????

 
At 12:38 PM, Blogger Suzana said...

Decidi aceitar as sugestões e dar uma ajeitadinha no texto...

Realmente, não dá pra beber água de garrafa fechada!!! :)

 
At 2:45 PM, Blogger Angélica Castilho said...

Nossa! Como eu rememorei Búzios em suas palavras. As duas vezes que visitei estava acompanhada e perdidamente apaixonada... Búzios é verdadeiramente um tabuleiro de Ifá - jogo de búzios - onde todas as mágicas e certezas transitórias circulam de saltos altos nas Ruas das Pedras sem torcer o pé e em estado de graça.
Obrigada por ter suscitado tais lembranças! Me fez um bem danado!

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)