quarta-feira, agosto 01, 2007

Crônica pré-nupcial

É sabido que, em pouco menos de dois meses, estarei atravessando o tapete vermelho, cruzando poucos metros que me tornarão, finalmente, a Sra. Carvalho - caso eu fosse trocar o meu nome. Não, queridos leitores, continuarei a assinar o mesmo nome desde o meu Jardim de Infância, desde a minha Certidão de Nascimento e exame do pezinho, nada diferente. As feministas podem se acalmar: não há nesta renúncia ao sobrenome masculino qualquer traço de desejo de emancipação, afirmação da individualidade, luta contra a silenciosa e avassaladora dominação masculina que nós, tacitamente, aceitamos. Na verdade, o que não dá para combinar é o meu sobrenome: Sá Klôh. Pensei em várias saídas - todas as combinações possíveis -, mas nenhuma me pareceu boa o suficiente. Assim, adio minha decisão para a ocasião da chegada do primeiro filho, o pobre que vai ter que conviver com um sobrenome, no mínimo, diferente.

Mas não há muitas outras decisões adiáveis. Há que se deliberar sobre as cores da iluminação - e logo. Li numa revista que é out usar luzes coloridas - exceto âmbar, verde e branca (mas aí não é colorida). Mesmo assim, quero o lilás - ainda que mesclado a luzes brancas. Vi essa idéia numa outra revista de noivas.

Noivas: espécie complicada. Há todo um mundo à parte. Grupos. Motivações, desejos, aspirações. (Uma jovem nubente, por exemplo, se queixava da falta de opções de forminhas de doces. Estava desesperada. Por favor, não critique.) Outros assuntos, temores. Uma outra língua. Uma outra moeda - só pode ser essa a explicação para o absurdo que cobram por qualquer peça ou serviço quando a palavrinha mágica casamento, ainda que entre os dentes, é pronunciada. Um outro fuso-horário, talvez. Uma outra rotação? Tudo gira em torno do grande dia - e a sensação que se constrói é a de que, depois desse grande dia, vem o vazio.

Mas não há como se preocupar com o depois. Até o grande dia há muito para se ver, há muito para se discutir, há até unhas para roer - mesmo que se saiba que você deve conservá-las, intactas, perfeitas. Há o desespero para não se cair no mau gosto que impera nesse submundo de alvas sedas, rendas francesas e histeria coletiva.

Compro uma revista qualquer em uma banca qualquer. Lado a lado, as capas se mostram trazendo lindas mulheres - moderníssimas, é bom frisar - vestidas de noivas - tradicionalíssimas, é interessante ver - segurando seus buquês solenes. As chamadas não variam muito: "Vestidos para o verão"; "Vestidos para o inverno"; "Vestidos para o outono". Alternam-se lembrancinhas e bem-casados, bem-casados e lembrancinhas. E não espere encontrar idéia para um vestido nessas revistas. As páginas trazem modelos que fazem qualquer pessoa com um mínimo de senso do ridículo torcer os lábios num esgar. Mas, ainda assim, você vai adiante.

Vai adiante, e se depara com as fotos dos noivos vestidos como se fossem verdadeiros Príncipes Encantados - alguns, inclusive, de escorridas madeixas loiras, um pouco frustrados por estarem sem sua lança para combater o dragão. Deve funcionar com adolescentes. Talvez seja isso: talvez a noiva seja a derradeira representação infantil feminina - depois dessa, é a decadência. Depois das alianças, o próximo passo é ser mãe e já não deve ser a hora de fantasiar consigo mesma - deixe isso para a criança, receptora de trezentos desejos e vontades e frustrações e medos. Portanto, a hora do casamento é a última hora de fazer um papel um pouquinho ridículo sem parecê-lo tanto assim.

Mas as pessoas têm, sim, senso do ridículo e enxergam, sim, o ridículo papel que a noiva cumpre: o que há é um pacto silencioso, pois todos participam da mesma festa a fantasia. Na igreja, emocionados, estão o tio do interior metido em um terno apertado, há a tia solteira que, depois da maquiagem, parece saltada de uma tela de Picasso, há um excesso de formalismos e "falem baixo, por favor", irreconhecível. Mas é o seu casamento, e para que tudo saia do jeito que você sempre sonhou, você pode contar com ajudas importantíssimas.

Lá estão as moças do cerimonial: na primeira conversa, ela diz a você que é impossível um casamento dar certo sem o seu apoio. Você até ensaia um riso de canto de boca ("será que é por isso que há tantos divórcios hoje em dia?"), mas a cerimonialista fala com tanta segurança que você tem medo de parecer - mais uma vez - ridícula, e engole em seco, aprovando o que ela fala. Ao final de quinze minutos, você jura de pés juntos que não sabe como viveu até hoje sem a presença dela, e sabe que fará toda a diferença o fato de haver, na sua festa, uma cestinha com chicletes, aspirinas, linha e agulha, carinhosamente colocada sobre a bancada do banheiro. Ah, não se esqueça do engov. Ela lhe diz que tudo vai sair como você sempre sonhou, e ela é sua mais nova amiga de infância.

Aí você começa a se perguntar com o que realmente você sempre sonhou. Busca, busca, e se lembra que, de fato, você queria um príncipe, um castelo e uma cama com dossel. Só não sabia que, pra isso, precisava do cerimonial. Nem do iluminador. Nem do arroz importado - um que não é arroz de verdade, pode ser colorido e ter formato de coraçõezinhos: não machucam, não provocam a queda de ninguém, e custam mais de cem reais o quilo. Mas - e aí vêm aquelas vozes, em uníssono, que você ouve toda a vez que põe a cabeça no travesseiro desde que decidiu juntar os trapinhos -, mas só se casa uma vez na vida, e vale a pena gastar aos tubos para viver sua última fantasia da infância.

E não é mesmo ligado às fantasias da infância? Há uma enorme identidade entre festas de cinco anos - de meninas, claro - e de casamento. Algumas lembranças só se encontram nessas ocasiões. Além das revistas, é interessante visitar sites de profissionais do casamento: fotógrafos, decoradores, cerimonialistas (claro!). Às vezes me deparo com coisas que me fazem suar frio. Porta-retratos de chocolate, por exemplo. E com fotos dos noivos, apaixonados! Pergunto-me sobre a reação do jovem e feliz casal ao ver, disputando espaço no chão com os quadradinhos brilhantes e grudentos da chuva de prata, a imagem dos dois, sorrindo, enlevados (Será que as pessoas ainda têm a ilusão de que a lembrança de um casamento é realmente mantida por alguém, exceto pelas avós e tias solteiras? Pobres noivos. Ou pobre noiva, porque o rapaz já sabia - até tentou avisar -, mas quem consegue argumentar com noivas?!)

Isso, claro, sem falar nos convites - alguns vêm em delicadas caixas preenchidas com perfumadas flores secas -, sem falar nos noivinhos que vêm sobre os bolos, sem falar no triste espetáculo do arremesso do buquê, sem falar na intensa e implacável cobertura foto-cinematográfica, que promete registrar todos os momentos de sua festa inesquecível - até porque, com todos esses profissionais, vai ser quase impossível você saber, sem o registro posterior, como ela foi. Mesmo assim, você ensaia o seu sorriso mais natural e enfrenta os flashes do início ao fim.

E, ainda assim, as pessoas querem se casar. E, ainda assim, eu vou me casar, e fui enredada por - quase!!! - todas essas armadilhas que só surtem efeito em noivas, essas criaturas neuróticas e infantis que se dispõem a atravessar uma via crucis porque sabem, ou pelo menos esperam, que só se casa uma vez na vida. Eu sei. Mas, por favor, sem cerimonial e porta-retratos de chocolate. E, sim, me emocionando com tios e tias, ainda que não pareçam naturais em seus trajes mais formais. Há, no fim de tudo, a sinceridade que nem as máscaras das convenções sociais conseguem esconder.

4 Comments:

At 6:43 PM, Blogger Rodrigo Romeiro said...

...Há, no fim de tudo, a sinceridade que nem as máscaras das convenções sociais conseguem esconder.

Digo mais: E a mão de Deus sobre vcs abençoando essa união!

ótimo texto! Não perdeste, vejo, o molejo pras palavras - arredias nessa fase pré-nupcial! rsss Bjkas!

 
At 12:53 AM, Blogger Walmir said...

Os rituais são necessários, embora fiquem ridículos sob algum ângulo.
Eles marcam uma passagem. Desde os tempos mais primeiros nossos ancestrais faziam assim: rituais de passagem da criança ao adulto, do solteiro ao casado, rituais para nascimentos e mortes, para ascolheitas.
E vc escreve lindamente. Suas reflexões vão fluindo divertidas, simples.
Muito bom.

 
At 5:28 PM, Blogger r a c h e l said...

ai, me emocionei! quase me deu vontade de casar de novo, mas aí lembrei que precisaria de um novo marido, porque o primeiro já foi há tempos. e isso não quero não. rsrsrs.
talvez, um dia, se eu achar que alguma coisa poderia vir a ser por muito, muito tempo - que em pra sempre, eu não acredito [embora no fundo gostasse de acreditar].
beijo querida, sorte em sua via crucis e desculpe o sumiço. tô com 34 alunos na turma virtual, batendo os pinos. mas no final tudo vai dar certo, sempre dá.
:*)
FELICIDADES AOS PRÉ-NOIVOS!

 
At 5:37 PM, Anonymous Anônimo said...

Bem Casados Cissa

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