quarta-feira, dezembro 06, 2006

Qualquer dia desses

Qualquer dia desses eu piro:
Só na contramão, sem pedir licença,
No meio da rua, gritando no escuro.

Qualquer dia desses eu mudo:
Pra trás o muito ou pouco que já fiz,
Nas trilhas as palavras de outrora,
Viro o rosto pro que um dia eu já fui.

Qualquer dia desses eu surto:
Uivo rouco em noite de lua,
Passos ecoando cá dentro de mim.

Qualquer dia desses eu, mudo,
Qualquer dia desses, um murro,
Qualquer dia desses, eu nada
A dizer sobre o céu, sob o sol:
A voz que só fala do que não há.

Qualquer dia desses eu durmo:
E esqueço o barulho da rua lá fora
E esqueço as suas queixas, seus choros, soluços
E esqueço o que sinto mas finjo que não.

Qualquer dia desses eu morro.

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)