domingo, dezembro 10, 2006

Solilóquio

É que eu sempre me imaginei como escritora. Talvez não sempre, é verdade. Já me sonhei cantora - e o pior é que acreditava nisso! -, já me pensei professora de Educação Física, aos dez ou onze anos, quando gostava muito de fazer ginástica aeróbica. Quem me conhece sabe o quanto isso é diferente do que eu sou hoje em dia - não tão diferente, talvez, do que eu já tenha sido. Nunca me pensei desenhista, seria pretensão demais e, embora sonhadora, eu tinha algum senso crítico. O fato é que, com as palavras, sempre me relacionei de forma diferente.

Eu, desde cedo, me imagino como escritora. Não tinha dez anos quando escrevia peças de teatros que eram encenadas por meus primos. Fiz um volume de "Historinhas e versinhos", letra caprichada, decorando as páginas com os desenhos mais elaborados que era capaz de fazer - corações, flores de cinco pétalas. E meus pais, alimentando meus delírios, diziam que, se meu avô ainda fosse vivo, eu teria chances de publicar esse meu "livro" (ele trabalhava na Editora Vozes, e já havia traduzido uma Bíblia do alemão para o português). A quem interessar possa, eu perdi esse volume, filho único de mãe solteira.

Ganhei alguns concursos durante os meus anos de colégio, ou, ao menos, fiquei classificada, recebendo alguma menção, tendo algum destaque qualquer. Prosa, poesia - redação, de uma maneira bem geral. E também na faculdade. Ganhei um prêmio literário que me rendeu umas verdinhas e uma viagem a Portugal. Não foi coisa pequena, não - o júri foi composto por Nélida Piñon e Josué Montelo, e o embaixador português, na ocasião. Por anos - e até hoje em dia, mesmo -, fui conhecida como "a que ganhou o prêmio e foi pra Portugal". Ganhei alguma notoriedade na cidade e um cartão da diretora da Editora Bertrand. "Quando tiver alguma coisa, me procure." Está guardado no fundo de uma gaveta. Ganhei alguma notoriedade, ainda que às custas de um texto que, atualmente, acho de mediano pra baixo. Bem o disse Paulo Autran, antipaticamente, que o leu na ocasião.

Trabalho com a palavra. Fiz Letras, estudo Letras, ensino Letras. A palavra é minha vida. A literatura é minha vida, ainda que enviesadamente. A angústia das palavras que já foram ditas, escritas, repetidas, estudadas, exauridas - tudo já foi escrito. Tudo já foi pensado. Os livros são vidas que posso viver. Não, não vou ficar aqui falando das várias experiências possíveis na leitura, do efeito catártico... Não vou. Mas os livros que leio e que estudo são vidas, sim. São vidas que existem paralelamente, é sangue pulsando em cada palavra...

Mas e as minhas palavras? Poucas, repetidas, quando não vazias. Tanta gente que já me falou que eu deveria investir, que deveria tentar, que deveria me dedicar. Mas e quando o texto não vem, e quando vem ruim, e quando a gente vai direto pro fracasso? Os vários concursos que ganhei não são prova de nada, em absoluto. A prova está aqui, eu comigo mesma, eu tentando, tateando, sem resultado. A prova é este blog, prova de pretensão e de medo do fracasso.

Ao menos, ficaram as fotos da viagem a Portugal.

3 Comments:

At 9:01 PM, Blogger Nelson said...

Pretensão e de medo do fracasso? Não creio estar "ouvindo" isso de uma das pessoas mais capacitadas que já conheci.

Tem certeza que não podes ir mais longe ?
Ouso dizer que suas palavras ainda hão de te levar além, muito além.

 
At 7:04 PM, Blogger r a c h e l said...

ora moça, tem que insistir. sempre. desistir é que não tem graça. viu?
beijão

 
At 1:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Moça, você é um poço de criatividade de sensibilidade, jorrando idéias pelas palavras,
Deixe encher, elas vão sair e levar aos outros seus pensamentos. Beijo

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)