E por fim
Meu Deus, eu disse, eu disse e não consegui continuar a frase que irrompeu alta e ilógica de minha garganta. Os olhos estavam fixos no dia lá fora, um dia de temperatura indefinível, que me oprimia, pesadamente: nuvens densas e velozes correndo no céu de pequenos azuis embaçados, uma poeira de anos que se acortinava diante dos meus olhos. Meu Deus, e tudo o que conhecia era aquilo, o vale debaixo da janela, as montanhas ao longe e ao vento que não chegava a balançar as folhas mais pesadas dos arbustos mais baixos. Tudo o que conhecia eram aqueles limites, e não mais que os limites. Eu, no meio. Eu, o centro. Tudo tão à volta, tão protetor, ameaçando-me. Redoma. Tão certo, tão fixo. O centro, as nuvens que me rodeavam. Puxei o ar com a boca, repetindo, tantas, tantas vezes que o ar me foi demais e eu me senti mal. Meu Deus, eu disse, e não consegui olhar mais para o vale lá embaixo, não consegui mais olhar o dia lá fora, e tudo o que vi foi um imenso esmaecer do que estava diante de mim, perdendo a nitidez, perdendo as formas, as cores, os gritos vermelhos e amarelos e azuis e verdes entre a poeira dos anos. Tudo envolto e silenciado por uma repentina névoa pesada que me jogava contra a parede tão sólida, tão dura e serena. Meu Deus, eu disse, e minhas pernas não suportaram mais forjar o equilíbrio, e eu escorreguei, liquefazendo-me junto ao piso de cerâmica desbotada. Veio-me um frio do fundo de mim mesma: as mãos se umedeceram mais que os meus olhos fixos e perdidos. Nenhuma brandura, só a violência dos espaços vazios dentro de mim e de meu mundo que tomavam conta de todo o resto, e o vazio branco era assustador e calmo, e o abismo branco era eu mesma, inteira e só. Meu Deus, tentei pronunciar, tentei procurar, mas nem mesmo as palavras me vieram, e a chuva começou a desabar sobre as telhas barulhentas, e finalmente eu chorei, e finalmente eu cedi, e finalmente eu me esparramei sobre as superfícies tão desconhecidas, e finalmente meu soluço alcançou o vento e meu choro devolveu o ar que meus pulmões economizavam, e finalmente eu busquei o mar ao longe, quilômetros e quilômetros ao longe, e finalmente eu saí de mim para entrar no mundo, eu saí de mim buscando o abismo, eu saí de mim e corri para a chuva que pingava e me escorria e me sondava e me sabia, dançando-me entre os filetes entre as pedras e as areias, percorrendo-me caminhos desconhecidos.
4 Comments:
Nossa, que depressivo... =(
Bem triste, mas gostei
Bjs!!!
Lindo. Clariceano, não?
círculo de giz que não protege, só isola. texto lindo.
Quem dera todo crescimento fosse ao menos espargido de beleza lírica!
(Gostei particularmente de
"Tudo tão . . . protetor, ameaçando-me." e "eu saí de mim para entrar no mundo, eu saí de mim buscando o abismo, . . . percorrendo-me caminhos desconhecidos".)
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