quarta-feira, abril 11, 2007

In illo tempore

É só porque é interessante e, na falta de inspiração em que me vejo atualmente, não dá pra desperdiçar nada... Saiu ontem no Globo, no Segundo Caderno, um texto que chega a ser divertidíssimo - e que fui publicado há exatos 50 anos:

Na Rua das Laranjeiras 11 funciona o Centro Paroquial da Glória, instituição de assistência social organizada pelo monsenhor Mota, da Matriz de Nossa Senhora da Glória, e que mantém cursos de alfabetização de adultos, de preparação para o casamento e donas-de-casa, de corte e costura, de decoração do lar e outros que visam à elevação social dos paroquianos. O repórter encontra na sala de aula duas dezenas de moças, umas noivas, outras sem compromisso. Desejam elas aprender a dirigir com estética e economia uma casa.

Sem afetação, sem relevo entre as demais colegas, uma aluna igual às outras. Elvira da Veiga Wilberg assiste à aula da professora, dona Robereta Macedo Soares. Aprende a ser dona-de-casa, instrui-se sobre os deveres de esposa e de mãe. Ela foi Miss Distrito Federal em 1955. É jovem e bonita, alta, loura, porte elegante. Mas não se conduz apenas como miss de beleza: conduz-se com a dignidade de aluna comum. O que as colegas desejam ela também deseja. Quer ser uma completa mulher em seu futuro lar. E o será, como as demais o serão, graças aos ensinamentos que recebem.

Dona Roberta fala em sala das atribuições da dona-de-casa. Cada aula dura cerca de três horas e meia, tempo suficiente para uma educação especializada e útil no lar. O curso terá a duração de dois meses. Findo o período, as moças receberão diploma de aptidão. Aptidão aos encargos de dona-de-casa, de esposa, de mãe.

A família brasileira se fortalece em sua estrutura moral e social. E se fortalece com o esforço e a elevação de dignidade dessa geração de adolescentes que tem idéias e ideais.

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Adorei! Diploma para poder casar!! E eu, a menos de seis meses de ansiado enlace matrimonial, não sei fritar um ovo. Nem pregar um botão. Nem passar uma camisa.

Apesar disso... Garantiria o diploma um noivo? Havia moças ainda descompromissadas, certamente daquelas que começavam o enxoval aos doze anos e precisavam colocá-lo ao sol de quando em quando. Sim, existem essas historias, e elas são verdadeiras.

Gostei mesmo da postura da miss. Ela se conduzia com "a dignidade de uma aluna comum", e desejava ser "uma completa mulher em seu futuro lar". Mas precisa de tudo isso? Céus, cheguei à crise de identidade.

Pronto. Lá se vai meu sonho dourado: não posso ser dona-de-casa, não posso ser esposa, não posso ser mãe. Mas é claro que sou teimosa e tento, mesmo assim.

Não deve ser tão difícil fazer um bolo pra quem já escreveu uma dissertação. É claro que há as aptidões pessoais, eu sei disso, e não discuto que existe o talento para a culinária, por exemplo - uma verdadeira bênção. Mas também se vive sem talento.

Faltou apenas uma coisa no texto: o fim fala da "geração de adolescentes que tem idéias e ideais". Para além do jogo verbal, onde estão eles? Ser miss? Viver única e exclusivamente para a casa, para o marido, para os filhos? Saber como lustrar uma fechadura como ninguém?

E fica nítido o hiato que há entre mim, pré-balzaca casadoira de dois mil e sete, e Elvira da Veiga Wilberg, e tantas outras dezenas e centenas e milhares de mulheres dos idos de cinqüenta e de antes e até depois. Mas, sim, ainda faz alguma falta um certo domínio das coisas na cozinha.

Não sei, mas acho que prefiro as minhas idéias malucas na área da literatura - e da literatice.

4 Comments:

At 2:10 PM, Blogger Unknown said...

casamento... sempre dá o que falar, não?

Ainda mais nessa era pós-revolução sexual. A mulher ganha espaço, o que é justo, mas algumas ainda não sabem o que fazer com eles, ou até rejeitam esse espaço, como algumas que conheci pela vida...

espero que vcs ainda dominem o mundo. :)

 
At 12:47 AM, Blogger Nelson said...

Talentos extras nunca são demais ... mas há de se convir que esse curso devia ter sua valia, rs. Precisando de ajuda para aprefeiçoar os dotes culinários ? Carol, a Emboava tem um blog só de receitas. Dá tempo de aumentar o repertório antes do casório. (essa infame rima foi sem querer)


Bjinhos

Nelson

 
At 11:47 PM, Anonymous Anônimo said...

"Saber como lustrar uma fechadura como ninguém" foi tuuuuuuuuuuuuuudo de bom!!!! hahahaha Alegrou minha madrugada! :D

 
At 2:13 PM, Blogger r a c h e l said...

É. Pior é que homem gosta de mulher que sabe fazer feijão. Vai entender.
Eu sou do time 'contrata uma cozinheira' pra eu não ficar barriguda, pelancuda e ter tempo pra uma ginastiquinha. :*)
Fritar ovo é mole, salsicha com macarrão é mole, uma ou outra receitinha um pouco mais elaborada que isso rola de vez em quando. Mas co-zi-nhar como parte da rotina, minha filha, jamais [com sotaque francês].
E se vive sem talento sim. Tem gente que nem tem talento algum. Resta saber se você tem talento pra ter marido - isso eu não tenho não, enjôo. :*)
Mas como seu test-drive foi prolongadinho....rsrss...

 

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"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)