quarta-feira, julho 16, 2008

E eis que se anuncia o fim do jantar romântico

Namorados, tremei. Namoradas, principalmente, pois sabemos que sobretudo as mulheres têm em alta conta, no seu imaginário, sonhos e aspirações a instituição do jantar romântico. Sim, o programinha ideal para um casal de apaixonados que, com a desculpa da refeição, encontra-se para falar da vida atual, planejar a vida futura.

Cenário: julho, um frio delicioso na serra e é lugar-comum que o destino mais apropriado é algum restaurante aconchegante em Itaipava, em que o casal escolherá um fondue – nada mais adequado quando o que se quer é prolongar o momento de estarem juntos – e, para acompanhar – a menos que ele ou ela seja abstêmio –, uma garrafa, meia-garrafa, quem sabe, de um bom vinho tinto.

Pronto: ouço agora o berro do politicamente correto. E, pior: agora, não só mais o “politicamente correto”, mas o grito do “absurdo”, da “irresponsabilidade”, do – “crime”! Jantar romântico que é jantar romântico, a menos que um dos namorados não tenha carro, não termina com um táxi. Até porque o táxi de Petrópolis a Itaipava, ida e volta, à noite, fim de semana, custa um pouquinho caro – possivelmente vai custar mais que o tal jantar romântico. É só imaginar: a doce conversa do casal enamorado, embriagado mais de amor que de duas taças de vinho, continua no banco de trás de um carro dirigido por um desconhecido que, não raramente, deixa o rádio ligado em uma estação AM? Ou que teima em conversar com os passageiros? Ou que mantém o mais absoluto silêncio, fazendo com que se cale qualquer tentativa de continuação do assunto enquanto, à meia-luz, o casal parecia estar sozinho no restaurante? Acho que não. O jantar romântico é, necessariamente, continuado no caminho de volta, em que – cena romântica –, o namorado deixa em casa a namorada, não sem alguns beijos de despedida. Beijos de despedida como, na frente do taxista?

Vamos à opção do fondue sem vinho. Bem, em um jantar romântico, não há a possibilidade – a menos, claro, que um dos dois seja abstêmio – do “eu tomo vinho e você, que está dirigindo, refrigerante”. Vinho é, sobretudo, uma bebida social. Há o brinde – sempre ao futuro, ou algo assim. Não raro toma-se mais água do que vinho durante o jantar, mas o vinho é importante. É solene sem deixar de ser intimista, é sedutor, é charmoso. Namorados pedem bons vinhos para impressionar suas namoradas. Na opção de substituir o vinho por suco ou refrigerante... Bem, eu simplesmente não consigo imaginar fondue com refrigerante. Ou suco. Há todo um ritual no jantar romântico: tente trocar o gesto de usar o saca-rolhas pela retirada do anel da lata de alumínio. Não, não combina. E não é pelo teor alcoólico: basta trocar a taça por um copinho de cachaça – igual (ou mesmo maior) equívoco.

Portanto, namorados, e namoradas, as mais prejudicadas, talvez: esqueçam o sonho de jantar, inocentemente, romanticamente, em Itaipava, ou em qualquer outro lugar, à meia-luz, com um bom vinho, com a boa companhia de seus namorados, sem preocupação qualquer. Rito que é, não é simples substituir seus elementos, ainda que simbólicos – como é simbólico o vinho que toma o casal apaixonado. Mas, pelo rigor da lei, mudam-se os costumes – nem que seja a tapa. Será?

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)