sexta-feira, maio 18, 2007

Faturas e buquês

À minha meia dúzia de leitores fiéis (tenho tantos?!?), uma espécie de pedido de desculpas - justificativa, talvez seja melhor -, uma espécie de justificativa pela minha ausência e parca produção. Minha cabeça ultimamente só consegue pensar em listas e contas, em contas e listas. Móveis, eletrodomésticos, convidados, prazos, parcelas, cheques, faturas, aluguéis. Tenho me esforçado bastante para conseguir entender as anotações e simulações e previsões que anoto de uma maneira absurdamente desordenada. E contas, contas, contas. Sonho com números, até.

Interessante é que pouco tenho me preocupado com o vestido de noiva, ou com o forro do sapato, ou com o buquê (o de braçada vai ficar bem para uma nubente de tão baixa estatura?), ou com as forminhas dos docinhos, ou com os bonequinhos que posarão em cima do bolo. E eis que me descubro quase prática - desorganizada, é verdade, mas prática. E preocupada com o número de armários na cozinha - e até mesmo com o tamanho da área de serviço!

Estou preocupada também com o destino de uma casa a ser gerida e arrumada e limpa e administrada (chega!!) por mim. Não, não quero o papel de dona-de-casa. Mas eu chego a lamentar nunca ter lavado um banheiro antes.

Mas isso passa, não é? Bem, assim espero. Ando ansiosa, contando os dias - e nem é somente a contagem regressiva pro 29 de setembro. Estou beirando a angústia porque ainda não aluguei o apartamento que seria quase-perfeito, se é que existe a quase-perfeição. E, agora, maio se arrasta depois de dias que correram, vertiginosos.

E as contas. E as listas. A mudança de previsões a cada duas horas. E o planejamento para o mês. E a total falta de idéia quanto aos arranjos das mesas.

Ai. Isso cansa. Bem que me avisaram.

E, o que é pior: acaba com a inspiração da gente.

Há mais coisas entre um namoro e um casamento do que supunha minha vã filosofia - a frase também fica totalmente correta com a troca de coisas por gastos.

quarta-feira, maio 09, 2007

De profundis: azul

Lá estava a piscina, e antes dela o ar frio me penetrava as narinas, e tudo me doía, e eu me sentia muito mais do que nos moles dias de calor. Rijo, tudo rijo: o ar cortando até meus olhos que se alongavam e buscavam o azul irreal da piscina que afundava no voil da tarde gelada, e meus olhos buscavam aquele tom só existente em piscinas grandes, amplas, profundas. Só havia uma leve garoa, e a lâmina-d'água mal a denunciava, tão fina, tão pouca, tão dura: mas meu rosto, ah, o meu rosto bem sentia a garoa, e eu era açoitada por aqueles pingos que magicamente se materializavam na minha pele ressecada. Ah, o meu rosto, o meu rosto sentia mais o frio que qualquer outra parte do corpo, e eu quis aquecê-lo segurando as grades geladas de alumínio, mas o rosto doía, ainda, o rosto duro doía e eu poderia viver sem o resto de meu corpo, porque naquele momento não havia mais nada do pescoço para baixo, eu sentia a chegada da crise de sinusite que irromperia lancinante de minhas faces magras e ressequidas, e tanta água, os pingos brilhantes nos meus cílios, o azul da piscina de verão no meio do branco que me esgamava. De quando em quando a garoa dançava rápida na minha frente, e vinham as gotas na horizontal, e às vezes parecia chover de cima para baixo. Voltei a sentir o resto do corpo quando saí da imobilidade e dei alguns passos em direção ao azul: meus pés se resfriaram imediatamente, mesmo estando usando as botas que mamãe havia trazido para mim da viagem à Europa, aquela de tanto tempo atrás, aquela que ela nunca esquecia mesmo tendo acontecido tanta coisa depois. Tanta coisa que aconteceu depois e que ela não lembrava. Ela não se lembrava, ela não se lembrava da piscina, ela não se lembrava dos dias ensolarados à beira daquele azul incrível que competia com os céus de maio. Ela não se lembrava das crianças brincando, das crianças gritando, das crianças correndo. Ela não se lembrava. Mas eu me lembro, e meus pés doem por causa disso, e toda a umidade me sobe pelas pernas, e eu, encharcada, sigo de olhos secos, e o vou rompendo o branco como se não sentisse a barreira das gotas e pingos e poças no piso escorregadio. O ar frio me penetrava as narinas, e eu o devolvia em efêmeras nuvens mornas de meus pulmões. Tentei aquecer as mãos nos bolsos da calça, tentei voltar para trás do portão que estava fechado havia tantos meses, que as pessoas fingiam ignorar mas que estava lá, como que repetindo sempre que havia algo além. Mamãe estava mesmo esquecida das coisas, ela não se lembrava do Gabriel, nem dos outros netos dela, mas ela olhava para a piscina tão fixamente, e eu não me lembrava de observar se ela se perdia no azul de fora ou no azul de dentro dos olhos dela. Na viagem à Europa de tanto tempo atrás, da visita a Paris, a Veneza, duas noites em Roma, breve estada em Amsterdam, a frustração por não ter conseguido ir também a Praga, mas a sempre sublime, ela repetia, e ainda repete, sempre sublime, sempre indescritível sensação de conhecer o mar absurdamente azul que rodeava as ilhas gregas, de mergulhar naquela água que parece um sonho, impossível de reproduzir. Mamãe quis a piscina, quis a piscina que lhe lembrasse as águas profundas, que lhe lembrasse as águas densas e planas dos passeios de então: mas a piscina não era senão outra realidade, tão incrível quanto o azul do Mar Egeu. E fez-se a piscina, e ela vivia à piscina, e viveria ainda, se todos na casa não evitassem que ela chegasse até o portão, se todos na casa não fingissem que não há mais piscina, que não houve crianças, que talvez nem mesmo a viagem tenha acontecido, e estas minhas botas que de nada servem não passam de imaginação, por isso meus pés estão molhados e eu sou toda carne dura congelando no meio da nuvem, perto do azul. Mas não. Não. Meus pés estão molhados dentro do couro amolecido da velha bota, e há, sim, a piscina. Ah, se eu pudesse esquecer, como mamãe, se eu pudesse fingir que a vida parou naquela viagem, e eu seria adolescente para o resto da vida, e eu não me importaria com o dia de hoje ou de amanhã nem com a previsão do tempo porque o ontem me bastaria, e eu seria feliz na minha frivolidade de menina de treze anos, para sempre, sem responsabilidade alguma, sem profissão, sem marido, sem filhos, sem nada. Aos treze, de novo, quando naquele terreno havia um gramado fofo e infinito, em que eu corria com meu irmão, onde nós brincávamos e brigávamos, onde vivíamos nossa vida de crianças adolescendo, e pronto. Ah, se eu pudesse. Mas mamãe não se lembra de nada apesar da foto que ainda não tiraram da estante, a foto que eu finjo não olhar mas que está lá, que está sorrindo para mim sem os dois dentes da frente, e eu finjo passar por ela sem sentir. Dura. Fria. Forte. Rija. A carne dura, a alma - se eu ainda tivesse. Meu rosto perdendo o viço que ainda mantinha, e eu fingindo que era casual, que era a idade, que era a vida. Que era a vida. A vida que mamãe sempre quis para mim e para o Alfredo, nós trabalhando, ela à beira da piscina, olhando as crianças que cresciam fortes e felizes, e o céu azul de janeiro ou maio perdia a graça quando era comparado ao tom incrível da piscina que, ainda assim, não era o Mar Egeu. E então eu chego, e escuto os gritos, e ouço o choro, e eu corro para a piscina naquele dia lindo de dezembro. Mamãe, sentada, sacudida pelo meu sobrinho que soluçava já sem voz, gritando quase inaudível, imersa no que havia dentro do azul de seus olhos, fora da piscina, e eu corro, e eu cruzo a grade de alumínio e o gramado fofo e o piso escorregadio e eu paro estagnada à beira daquela piscina que me chama e que chamou meu filho para o fundo, e ele está lá, deitado, tão quieto. Mamãe não se lembrava de nada, só da viagem à Europa, aquela de tanto tempo atrás, aquela do azul inesquecível, indescritível, mas o meu azul, o azul que agora oscila, que balança, que vibra em fúria com o meu choro e com as pancadas das minhas mãos tão duras quanto eu toda, o azul é o da piscina, que eu tento ignorar por trás do portão de alumínio, mas é o azul irreal que eu choro porque não queria que fosse verdade.

sábado, maio 05, 2007

O diário da dieta

Ainda não falei de dieta por aqui. Ou já mencionei, mas não recentemente. O fato é que, depois de meses de promessa, decidi levar a sério e já comemoro as pequenas perdas. Comemoro o fato de que uma calça jeans que comprei em setembro está vestindo melhor - sim, é verdade: eu comprei um número menor, e nunca usei porque fiquei só na promessa. Mulheres. Mas, já que este é o assunto, vão três frasezinhas interessantes sobre o tema, as duas primeiras de minha autoria (a primeira já escrevi nesta paginazinha antes, e faz parte das minhas frases espirituosas), e a terceira recebida por e-mail há uns dias. Voila.

"Tudo vale a pena quando a calça já está pequena."

"As calças não mentem jamais."

"Calorias são pequenos animais que vivem dentro dos armários e apertam nossas roupas à noite."

E Deus me proteja na festa de hoje à noite!

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)