Fragmentos de um discurso pós-quase-amor
- Eu não sei bem o que quero agora.
- Eu também não.
- Mas antes eu sabia.
- ...
- Eu sabia que um dia isto ia acabar.
- Eu também. Mas não sabia quando.
- Não sabia que seria agora.
- Não sabia que seria assim.
- Não sabia que seria sem dor.
- Mas não dói para você?
- ...
- Não?
- É. Dói. Mas não dói tanto quanto eu imaginava.
- Mentira.
- Dói. Dói sim. Dói um pouquinho a dor...
- ?
- ... a dor de não sentir nada.
- ...
- Ou quase nada.
- Então não dói?
- Não.
- ...
- E é isso o que mais dói: depois de tudo isso, eu acabei descobrindo que o que eu quero, mesmo, é a dor.
- É. Eu também.
À janela
Não sei o que há. Mas a chuva me enche de tal melancolia que silencio toda. Não é o vento, não é o frio que a acompanha os pingos, não é o molhar-se quando fora de casa. Talvez seja o escorrer pelos muros e telhados. Talvez seja o alto dos eucaliptos escondido por finas névoas. Talvez seja o jogar-se contra o chão sem pressa ou susto. E ver a chuva chovendo das folhas, das flores no jardim, das calhas imperfeitas. O transbordar dos buracos nas ruas escorregadias.
Não sei o que há. Mas chove, e eu toda silencio. Não há lugar para alegria – o que não significa que me tome a tristeza. Há o silêncio, há o branco, há a espera. Talvez seja chovendo que, solitária, encontro-me. Sem o barulho das crianças brincando. Sem o imperioso chamado do céu azul para vida, a vida. Chove, e a vida é úmida, constante, invadindo o seco das tardes. Chove, e a chuva molha mesmo quem dela se protege.