sexta-feira, junho 30, 2006

Querido diário

Por vezes, tenho uma leve tentação de fazer deste blog um diário. Já me disseram, na verdade, que ele pode não passar disso: um diário. Já tive diários em tempos idos: quando era criança, com páginas coloridas, e, da adolescência até o iniciozinho da "adultice" - se é que já poderia me considerar adulta -, fiz das minhas agendas lugar de relatos minuciosos de como eram meus dias.

A minha maior tentação, porém, não é voltar a relatar meus dias, mas voltar a fazer a "decoração do diário": coleta de poesias, frases de efeito, frases bonitas, frases marcantes, frases criativas - pequenos textos, enfim. Essa é a grande tentação. Tanto já foi escrito, como ignorar tudo isso? - é o que perguntam meus olhos e meu coração. Cá está o espaço em branco, que simula a folha de papel: como preenchê-lo? Não, eu não sou maior que tudo isso. (E cá estou eu a citar, ainda que tortamente...)

Entre verdades, mentiras, citações e anotações, encontro-me.

É impossível resistir à tentação.

O dia de hoje, por Clarice

SAUDADE

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Reinventando, e justificando

Já estava na hora de falar sobre Cecília neste blog. Ou, ao menos, dizer (caso alguém ainda não tenha percebido) que o título e parte da idéia dele vêm de um poema seu.

REINVENÇÃO

A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas

e passeia a mão dourada

pelas águas, pelas folhas...

Ah! tudo bolhas

que vêm de fundas piscinas

de ilusionismo... - mais nada.


Mas a vida, a vida, a vida,

a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira

as algemas dos meus braços.

Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.

Tudo mentira! Mentira

da lua, na noite escura
.

Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada,

Desprendo-me do balanço

que além do tempo me leva.


Só - na treva,

fico: recebida e dada.


Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

**********

É por aí. Reinventar. É para isso que nos servem as palavras, é para isso que serve a escrita, é para isso que serve esse mísero blog - e também o mísero papel de tempos atrás.

Reinventar: essa é a ordem. Tudo é mais - ou menos, também - perfeito a partir da reinvenção. Outra realidade se encontra aqui. E ela não corresponde, necessariamente, ao que se vê lá fora. Ela não corresponde, necessariamente, a mim.

**********

Se não há nada de interessante no que escrevi a respeito da escrita, e também a respeito de mim, ao menos há o poema da Cecília. E ele já vale - e muito! - por essa postagem.

terça-feira, junho 20, 2006

Quando eu era criança... - II

... eu jamais me imaginei dirigindo um dia.

... eu escrevia peças de teatro que meus primos encenavam.

... eu pisei num formigueiro e fiquei lá, parada, esperando que me socorressem.

... eu fazia coleção de calendários.

... eu deduzi - a partir de uma foto de calendário - que o Vale do Anhangabaú era a rua em que se erguiam tão altos prédios.

... eu espalhei no colégio a minha versão sobre o Vale do Anhangabaú.

... eu dizia que ia me casar com o Pá (não me perguntem o que significa isso!).

... eu praticamente roubei um Aquaplay do meu primo.

... eu fui a um show do Balão Mágico, e eu tive certeza de que a Simony me conhecia quando ela cantou "Oh, Suzana".

... eu era rata de biblioteca, e o primeiro livro que peguei lá foi "Quem roubou minha infância?" - triste história de uma menina que amava, mais que tudo, tocar piano, e tinha uma madrasta que acabou com suas esperanças, obrigando-a a trabalhar pesado e estragar as pontas dos dedos.

... eu me comovi profundamente com "Quem roubou minha infância?".

Pirataria


Descobri, com certa surpresa, que se vendem fotografias pela internet. E por que preço!

Neste blog, postei duas imagens que encontrei em sites de busca. Serei uma criminosa?

A foto que trago aqui custa a bagatela de R$ 299,00 - em baixa definição. E é bagatela, mesmo - a grande maioria das fotos que vi custa, no mínimo, R$ 1.500,00. Quem quiser dá uma olhada, visite http://www.fotosearch.com.br/ e veja com seus próprios olhos...

E tem mais: acho que consigo uma foto do Palácio de Cristal melhor que essa aí de cima... Talvez seja um pouco de presunção minha, mas...

E se alguém quiser copiar as fotos que eu tirei, que já postei aqui neste blog esquecido por Deus? Bem, aí eu vou me sentir até lisonjeada...

Revelação

É à tarde que as montanhas realmente se mostram, com suas sutilezas e seus complexos contornos.

A luz mais intensa faz com que haja um só bloco, uno - quase uma só superfície. Ao cair da tarde, no entanto, a luz do sol se torna quase palpável, numa incrível variação em âmbar... E as montanhas se mostram, se revelam, se insinuam: relevos, curvas, elevações e reentrâncias, num sobrepor-se de abismos...

Nada mais compreensível que a vontade de voar, rompendo a diafaneidade dos raios do sol...

Cenas de Junho: Buscando a Infância


Por fim, ela revisitou o jardim que sempre visitava quando criança. E veio a decepção: era aquele, mesmo? Ou ela que havia mudado? Ele era tão maior na infância...

Mas teve uma surpresa... Lá havia uma - única e triste - cerejeira em flor, que se mostrava antiga pelas cascas em seu tronco... E ela percebeu que muito do que lhe era novo já era antigo... Não, o jardim não havia mudado.

Cenas de Junho: Clariceana

E como não havia muito mais o que fazer naquela tarde, decidiu ir ao shopping. Perto do shopping, porém, algo muito mais interessante - porque, de certa maneira, novo - se apresentava... Lá estava o hortomercado, cheio, com seus muitos vendedores, com seus muitos clientes, com sua incrível aquarela colorida de frutas, legumes, flores. Os pimentões, lustrosos, convidavam ao toque. Os cheiros de temperos vários seduziam. Tudo era tão assustadoramente novo, como se ela visse o mundo depois de emergir do mar, às seis da manhã. E as flores estavam lá, humildemente colocadas em baldes, pedindo a atenção de quem passasse.

Não era difícil. Ela viu as flores, e surgiu a tentação. Buquê de rosas quase fechadas, submissas. Porém, mais abaixo, as flores do campo, de um colorido quase artificial, encontraram seu olhar. E aí foi irresistível: aquelas flores já eram dela, desde o primeiro momento. A combinação de cores deixava-a tonta, assim como o seu perfume - um perfume simples, simples como as próprias flores, na sua humilde altivez de flor do campo. As flores eram dela. Imitando-as, imitando sua orgulhosa simplicidade, ela saiu com as flores embrulhadas no mais discreto papel, abraçando o buquê como quem abraça um filho, sentindo-se, pela primeira vez, a mulher ancestral e visceral que ela era, e que o duro asfalto da cidade encobrira por tanto tempo.

Cenas de Junho: A Estrada


Dirigia devagar - tudo à sua volta impedia que acelerasse. Cores novas à beira da estrada. A pequena encosta coberta por capim: veludo rosa tremendo à mais leve oscilação do vento...

Harmonia de verdes e azuis. Montanhas, árvores, nuvens. Convite irrecusável a uma parada. Os carros cortando, velozes, o silêncio da tarde nítida. A estrada longa, perdendo-se em suas próprias curvas. Convite irrecusável a seguir em frente, em frente, em frente...

segunda-feira, junho 19, 2006

Cenas de Junho: O Passeio

Ela disse a ele que queria passear. E então eles passearam, mesmo sem ir muito longe. Ela viu as águas do lago, e ele viu também o lago de outro ângulo. Tão diferente! O céu azul quase entorpecia, e o verde das montanhas contrastava com as pequenas flores cor-de-rosa. Até respirar lhes era diferente. A cidade, tão ela mesma, mostrava-se outra. Ou eles haviam mudado? Ela arrancou a delicada flor da árvore, e percebeu que era mais resistente do que imaginava, e que não era tão perfumada quanto desejava. Ainda assim, guardou no bolso o pequenino ramo que foi murchando, murchando... Guardou a prova de uma cidade, tão ela mesma, por momentos diferentes. Guardou a prova dos momentos em que a vida lhe era, de certa forma, incomum, apesar de nada haver de novo. Guardou pra sempre aquele cheiro que lhe provara toda a surpresa dos detalhes insuspeitados e silenciosos...

quinta-feira, junho 15, 2006

Quando eu era criança... - I

... eu achava que os pontos brilhantes na calçada, à luz da lua, fossem diamantes que os homens haviam se esquecido de explorar.

... eu era a menina que ficava em casa, montando quebra-cabeças e cantando, em vez de ficar correndo com a molecada.

... eu achava que seria cantora um dia.

... eu achava que seria escritora um dia.

... eu queria ler Poliana.

... eu li Poliana Moça antes de ler Poliana.

... eu pensava que um dia leria Poliana.

... eu adorava Sidney Magal.

... eu não comia a merenda que levava para a escola.

... eu contava sempre a história de como me casaria com o Príncipe Encantado, e descrevia minuciosamente o castelo onde moraríamos - principalmente o quarto, com a cama que era coberta por um véu cheio de franjinhas.

... eu não sabia que o véu cheio de franjinhas que cobria a cama com que eu sonhava se chamava dossel.

quarta-feira, junho 14, 2006

De um livro pinçado da estante, aleatoriamente

OS DEGRAUS

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...

Mário Quintana

**********

Tenho algum medo do que é pinçado aleatoriamente... Eu fui escolhida do texto, não o escolhi... Todo mistério está na vida...

Vontade

Vontade de inverno: ver as cerejeiras em flor, no azul da tarde fria.

Vontade de inverno: à beira do lago, as pétalas caindo em lentos rodopios. O sol que não aquece, mas faz brilhar quase imperceptíveis ondulações no silêncio das águas.

É inverno, e o ar corta os pulmões e o sol castiga os olhos. É inverno, e o mundo parece mais lento, e mais silencioso, sobretudo. Silêncio tão efêmero quanto a permanência das delicadas flores nos olhos que as procuram...

domingo, junho 11, 2006

Tê-pê-eme

Cúmulo: chorar durante a execução do hino de Trinidad & Tobago, no jogo em que o pequeno país enfrentou - e atravancou - a Suécia.

Não me perguntem por que chorei. Acho que a única explicação se encontra no título, mesmo.

sábado, junho 10, 2006

Lua

Lua quase cheia... Um céu claro, noturno tingido de azul-escuro. Escuro doce, envolvente. Poucas estrelas - desbotadas pela lua! - salpicando o cetim que seduz, que atrai, que fascina. O nítido recorte das montanhas, caprichoso perfil, e as luzes das cidades aos nossos pés. Tão longe, tão perto. Tão ao alcance de nossas mãos... A Baía refletindo as luzes de não sei qual cinzenta via expressa. Mas do alto é tudo tão claro, limpo, nítido! E o brilhar dos pequenos pontos, que parecem balançar ao sabor do vento - forte - que sacode as folhas das árvores iluminadas...

A lua desce... Alguém já falou da lua se pondo atrás da montanha? A lua destacando o recorte das serras, tornando quase azul-claro um pedacinho de céu... Mas não, venço o feitiço e não posso esperar até que ela se retire totalmente do céu - quando, certamente, o sol já estará se insinuando... Num último momento de contemplação, vejo-a brilhando, escapando por entre as copas das árvores, pequenos e luzidios pontos que dançam conforme a minha condução... E faço-a brilhar, meus olhos fixos acompanhando o movimento que eu lhe provocava... Delicados brilhantes sobre cetim talvez negro, talvez verde; delicados brilhantes enchendo de preciosismo minha madrugada...

quinta-feira, junho 08, 2006

O leãozinho e seus pequenos dentes


Nada mais fantástico que observar, embevecida, o pequeno menino - genioso! - fazendo força para fazer bailarem no ar as sementinhas de um dente-de-leão. Nada mais prazeroso que ver naqueles olhinhos azuis a enorme surpresa que acompanhava o passeio aéreo de cada um dos fiapinhos brancos. Nada que encha mais o coração de quentura que ouvir a vozinha fraquinha chamando Nana... E descobrir-se chamada por uma criaturinha de um ano e quatro meses, doce, doce, mas em alguns momentos quase feroz, com seus quatro dentinhos separados... E ver, a cada dia, essa coisinha aprendendo mais e mais gracinhas, fazendo ecoar seu balbucio pelas casas, colhendo no mato sementes e pequenas flores, descobrindo um mundo que ainda se mostra perfeito, justamente no momento em que tudo parece tão complicado...

quarta-feira, junho 07, 2006

Copa do Mundo

É a Copa do Mundo chegando. No colégio, está havendo um torneio de futebol entre as turmas da quinta à oitava série. Castigo colocar os pequenininhos jogando com os grandalhões. Mas a competição já vale pela festa...

Há tentativas de torcida organizada, há criatividade na hora de fazer os uniformes. A competição hoje foi protagonizada por duas potências do futebol mundial: Brasil e Inglaterra - sexta e sétima séries, meninos e meninas a partir de seus treze anos e seu metro e meio.

O jogo das meninas foi um martírio. Goleada da Inglaterra. As pobres meninas da sexta série, tão pequeninas, tão produzidas, lindas em suas camisetas amarelas que traziam, nas costas, o nome e o número de cada atleta em fita colorida, suaram, ficaram de bochechas vermelhas, caíram no chão, e jogaram-se exaustas na grama ao fim da trágica partida. Mas a esperança estava guardada nos meninos.

O time da Inglaterra trazia jogadores mais encorpados, rapazes já bem crescidos. O Brasil era composto de baixinhos. Dava pena comparar os goleiros dos dois times.

O jogo foi disputado. E o Brasil, com seus pequeninos jogadores, mostrou toda a raça atribuída a seu povo, desde os seus menores representantes. O goleiro loiro, de olhos verdes, metro e sessenta; o mulato mais comprido, aparelhos nos dentes, cara de criança; o moreno de cabelo de molinhas, pernas finas, brinco chamativo em uma das orelhas, querendo pra si o posto de reclamão do time. E havia também o pequeno menino de pele alva e cabelos castanhos, olhos sorridentes e perguntadores. E a figura marcante de um sardentinho, cabelos quase ruivos, quase ondulados, quase no ombro, que trazia consigo a proposta do tal futebol-arte. Quase um gol de bicicleta. Vai, Serginho, era o que gritavam as meninas, em sua primeira paixão juvenil. Vai, Serginho, você faz um sucesso com esse cabelinho! As meninas queriam vê-lo agir, chutar, pedalar, marcar. E ele marcou. Marcou o gol, tombou a cabeça para trás, num agradecimento aos céus pelo seu inegável talento. O pai babava. E também gritava, e deixava escapar um ou outro palavrão quando os cavalões da sétima série, mais violentos e menos preparados, acabavam segurando os brasileirinhos pelo braço. Ingleses de sangue misturado - índio-negro-alemão-português. Mas o ruivinho driblava e agradecia.

A superioridade era inegável. Mas quem disse que a vida é justa? Concederam-se dois pênaltis aos adversários. Fim de jogo com empate. Disputa de pênaltis. E os grandalhões ganharam. Quem disse que a vida é justa? O reclamão do time, que antes estufava o peito na inconfundível postura de jogador de futebol, sentou-se no chão, baixou a cabeça, chorou. Disse não ser nada. Só o time - e a professora de Português, metendo-se com o que não devia, tentava um consolo inútil. O juiz roubou muito, disse o rechonchudo colega que havia ficado de fora. Vai entrar pra história essa roubalheira, outro completou. O mulato mais comprido, de chuteiras douradas, desamarrava os cadarços e dizia, com a voz solene de quem filosofa, que na vida é assim. Nem sempre há justiça. O ruivinho, acompanhado pelo pai agora murcho, já havia desaparecido.

E, praqueles meninos de treze, quatorze anos, a Copa do Mundo já vai começar com um amargor de derrota na garganta, com um amarelo já embaçado na camisa, com menos fogos explodindo no céu do país. Não, a vida não é justa.

Impressionista

Neblina baixa, o ar que se pega com as mãos. O cabelo salpicado de mínimas gotas d´água. O vulto que aparece do nada. O farol encoberto por um véu. O carro mergulhando na nuvem - seria crise de identidade?

Lá em cima, estrelas preguiçosas, quase embaçadas. A lua só era vista por entre as várias folhas da última árvore. Observava pelas frestas.

O maior luxo que qualquer pessoa poderia querer nessa noite era sair desagasalhada, em pleno sereno. O frio, cortando das narinas até os pulmões, era a prova mais concreta da necessidade que o corpo tinha do ar. O sofrimento era inevitável.

Tem que haver um primeiro

Isso talvez seja quase um pedido de desculpas. É preciso haver um primeiro texto. Por onde começar? Pra que começar? Por que essa vontade de sair digitando, ainda que seja o que há de mais irrelevante no mundo e em mim?

Enfim, comecei.

E não tenho, sinceramente, vontade que ninguém leia este texto esdrúxulo.

Ainda não sei o que fazer com isso.

(Será que eu não consigo utilizar um lugar-comum mais interessante????)

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)