segunda-feira, julho 31, 2006

De manhã

O celular tocou um tananananã irritante, e o lençol quente e macio envolvia, sedutor. Sem que eu visse, o visor celular gentilmente dizia "Acorde, por favor!", e eu, sem saber que o fazia, obedeci. Ao menos, serviu para espantar não sei qual sonho estranho em que vivia.

Entre o quarto e o banheiro vi a manhã mais fria desde algum tempo, principalmente por ser a manhã da volta ao trabalho. Por trás do vidro, uma única massa, úmida e branca. Sim, eu habito uma nuvem.

A água fria escorreu no rosto e, apesar do sono, consegui abrir os olhos. Creme no rosto, cheirinho bom logo de manhã. Café com leite, pão na sanduicheira pra esquentar mais, margarina derretendo.

Lã, lã, lã - é tudo o que quero. Meias grossas, luvas azuis. E um luxo de um cachecol multicolorido, felpudo e macio. Era constantemente acariciada.

Coragem. Rompi o sono, rompi o frio, rompi a bruma.

As luvas azuis acenavam no branco da manhã. O azul do céu de um porvir, de amanhã ou depois... Que virá.

Que explica o anterior

NÃO SEI DANÇAR
Manuel Bandeira

Uns tomam éter, outros cacaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
(...)

**********

Muito melhor é a alegria!

Probabilidades

Sim, o carro está quebrado.

Sim, o dinheiro está curto pros próximos meses.

Sim, as aulas voltam amanhã de manhã, cedinho, e tenho quase cinco longos meses pela frente.

Sim, eu também preciso fazer uma dieta.

E daí? Certo estava Bandeira...

sábado, julho 29, 2006

Inverno

A terra, seca, abriu-se ao cair do primeiro pingo de chuva. As folhas esperavam por isso.

Também espera por mim o papel, a tela em branco, tão secos, tão opacos, esperando pela vida que foi negada durante tantos dias.

Mas bate a chuva nas folhas, no chão, no telhado. Batem os pingos na janela da sala, e brilham multiplicadas as luzes das ruas.

O papel, a tela em branco, tão secos, tão opacos, começam a ser fecundados.

sábado, julho 15, 2006

Vingança


Afogando o Cafu no café...

(O Zé Roberto, camisa onze, à direita, foi poupado...)

terça-feira, julho 11, 2006

Sem retorno

Drummond, ao menos, recebia por se expor tão cruamente nas livrarias.

Dificuldade

É que é muito árduo o processo de adaptação, eu que tenho raízes arraigadas.

Raízes onde nasci, onde trabalho, raízes que enlaçam as pessoas com que vivo. Raízes que me enlaçam.

O que fazer pra ser mais solta, mais leve, mais fluida?

É que é muito penoso o processo de reacostumar-se.

Acho que não gosto de mudanças.

Impotência

A palavra foge, faz falta, corre e me faz tropeçar logo adiante.

E então, caída, ouvido no chão, busco o que há de mais profundo, o que ainda sequer foi sentido...

O encontro da palavra, ilusão de segundos, enche de luz o pensamento. Que, logo em seguida, vai se apagando, apagando, apagando...

E a palavra foge novamente.

segunda-feira, julho 10, 2006

Horizontes


Se minha vida sempre foi marcada pelas montanhas...

Não sei o que é o horizonte totalmente plano. Qual é o tamanho do céu? A mim o céu sempre pareceu menor - montanha por toda a volta. Como se estivesse numa cratera, o céu aparecendo pela chaminé.

Acho que por isso o mar me seduz tanto. O seu pleno plano, sereno, tão diferente de mim...

Não há como me mostrar por inteiro. Há, sim, os recortes e subterfúgios e altos e baixos e idas e vindas. Há a gentil barreira que impede o sol de chegar mais perto.

Porém, ao subir tão alto, até o alto da montanha, vê-se que lá o céu é ainda maior que em frente ao mar. E a visão é de todos os discretos detalhes nunca antes imaginados...

sexta-feira, julho 07, 2006

Suzana, a pintora impressionista


Se eu fosse pintar um quadro - se a mim fosse dado tal talento! -, acho que ele seria mais ou menos assim.

Como estou longe, muito longe de qualquer inclinação às artes plásticas, bastou-me tremer na foto e aplicar um leve efeito aquarela - o máximo de computação gráfica (posso chamar assim?) com que consigo lidar.

(E Monet revira-se no túmulo!!!)

Pagando a promessa


Já que falei sobre a foto do Palácio de Cristal há algumas semanas, coloco agora a de minha autoria. Não sei se posso dizer que está melhor que a outra... Bem, outras são as circunstâncias. Até que eu gostei do efeito da decoração da Bauernfest...

De toda forma, ainda vou tentar fazer melhor que aquela outra!

Pra não dizer que não falei da Copa - embora já tenha falado



































Sem traumas, nem ressentimentos, nem grandes revoltas. Sem comentários sobre a atuação pífia de uma semana atrás - já passou, e eu sou a menos indicada a falar sobre... Mas me diga: vamos ter, novamente, esses biscoitinhos junto com o café??? Ou vai ter graça pedir uma bebida linda dessas??? Quem sabe, daqui a quatro anos...

sábado, julho 01, 2006

"Eu não sei dançar"

E por que, logo hoje, foi tocar essa música da Marina?

EU NÃO SEI DANÇAR

Às vezes eu quero chorar
Mas o dia nasce e eu esqueço
Meus olhos se escondem
Onde explodem paixões
E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa pra lembrar

Às vezes eu quero demais
E eu nunca sei se eu mereço
Os quartos escuros pulsam
E pedem por nós
E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa pra lembrar
Se você quiser eu posso tentar mas
Eu não sei dançar
Tão devagar pra te acompanhar

O dia de hoje, por mim

Sem nada pra fazer, fiquei procurando coisas interessantes no computador. Nada é interessante, e o dia vai passando numa lentidão que não é usual.

Parece que o dia de hoje é o de Plutão. Dizer que os minutos levam horas para passar não é nada criativo, mas é a verdade. Olham-se os ponteiros do relógio, e eles se movem numa preguiça de domingo à noite. E ainda é sábado.

Ainda é sábado e eu estou sozinha. O sábado é barulhento, mas as únicas coisas que quebram o silêncio são as músicas tristes e meus dedos no teclado. Por que, quando se está triste, só músicas tristes tocam nas rádios? Se fosse carnaval, haveria jeito para toda tristeza. Mas já é julho, é inverno e faz frio. Faz frio e eu sopro uma fumaça branca na tela do computador, embaçando-a. Calço as luvas, e é com elas que faço nítida, novamente, a tela.

Ainda dá tempo de desembaçar tudo o que ficou enevoado nos outros dias? Ainda posso fazer tudo nítido, novamente? Por enquanto, meus olhos queimam, e o telefone não toca. Por enquanto, as nuvens cinza pesam sobre mim, fazendo-me encolher ainda mais. Há dias em que estamos expansivas, querendo todo o espaço. Há outros em que se pensa em diminuir, diminuir... E a tentação é grande... A questão, como já disseram, é saber agüentar.

Se tentar chamar a mim mesma, conseguirei responder? Acho que nem eu estou comigo... É a mais dura das solidões - a solidão que não se sabe quando termina.

Se ainda fumasse, se ainda bebesse... Mas não há distração possível. Meu pequeno primo está num dia enjoadinho, só quer a mãe. Por enquanto, estou sozinha. Por enquanto, torcidas inflamadas aguardam ansiosamente o início do jogo de futebol. E eu, melancólica. Saudosa, acho que saudosa do que nunca tive.

O jeito é tentar espantar a tristeza de qualquer forma, porque é difícil viver triste e com os olhos em constante inundação, ainda que seja por nada. É, não falta muito para o jogo começar, e enquanto a bola estiver rolando nada mais fará diferença. Mas o por enquanto do jogo dura noventa minutos... E o meu por enquanto, quanto dura?

Novamente, o dia de hoje, por Clarice

POR ENQUANTO

Como ele não tinha nada o que fazer, foi fazer pipi. E depois ficou a zero mesmo.

Viver tem dessas coisas: de vez em quando se fica a zero. E tudo isso é por enquanto. Enquanto se vive.

Hoje me telefonou uma moça chorando, dizendo que seu pai morrera. É assim: sem mais nem menos.

Um dos meus filhos está fora do Brasil, o outro veio almoçar comigo. A carne estava tão dura que mal se podia mastigar. Mas bebemos um vinho rosé gelado. E conversamos. Eu tinha pedido para ele não sucumbir à imposição do comércio que explora o dia das mães. ele fez o que pedi: não me deu nada. Ou melhor me deu tudo: a sua presença.

Trabalhei o dia inteiro, são dez para as seis. O telefone não toca. Estou sozinha. Sozinha no mundo e no espaço. E quando telefono, o telefone chama e ninguém atende. Ou dizem: está dormindo.

A questão é saber agüentar. Pois a coisa é assim mesmo. Às vezes não se tem nada a fazer e então se faz pipi.

Mas se Deus nos fez assim, que assim sejamos. De mãos abanando. Sem assunto.

Sexta-feira de noite fui a uma festa, eu nem sabia que era o aniversário do meu amigo, sua mulher não me dissera. Tinha muita gente. Notei que muitas pessoas se sentiam pouco à vontade.

Que faço? telefono a mim mesma? Vai dar um triste sinal de ocupado, eu sei, uma vez já liguei distraída para o meu próprio número. Como acordo quem está dormindo? como chamo quem eu quero chamar? o que fazer? Nada: porque é domingo e até Deus descansou. Mas eu trabalhei sozinha o dia inteiro.

Mas agora quem estava dormindo já acordou e vem me ver às oito horas. São seis e cinco.

Estamos no chamado "veranico de maio": grande calor. Meus dedos doem de tanto eu bater à máquina. Com a ponta dos dedos não se brinca. É pela ponta dos dedos que se recebem os fluidos.

Eu devia ter me oferecido para ir ao enterro do pai da moça? A morte seria hoje demais para mim. Já sei o que vou fazer: vou comer. Depois eu volto. Fui à cozinha, a cozinheira por acaso não está de folga e vai esquentar comida para mim. Minha cozinheira é enorme de gorda: pesa noventa quilos. Noventa quilos de insegurança, noventa quilos de medo. Tenho vontade de beijar seu rosto preto e liso mas ela não entenderia. Voltei à máquina enquanto ela esquentava a comida. Descobri que estou morrendo de fome. Mal posso esperar que ela me chame.

Ah, já sei o que vou fazer: vou mudar de roupa. Depois eu como, e depois volto à máquina. Até já.

Já comi. Estava ótimo. Tomei um pouco de rosé. Agora vou tomar café. E refrigerar a sala: no Brasil ar refrigerado não é um luxo, é uma necessidade. Sobretudo para pessoa que, como eu, sofre demais com o calor. São seis e meia. Liguei meu rádio de pilha. Para a Ministério de Educação. Mas que música triste! não é preciso ser triste para ser bem-educado. Vou convidar Chico Buarque, Tom Jobim e Caetano Veloso e que cada um traga a sua viola. Quero alegria, a melancolia me mata aos poucos.

Quando a gente começa a se perguntar: para quê? então as coisas não vão bem. E eu estou me perguntando para quê. Mas bem sei que é apenas "por enquanto". São vinte para as sete. E para que é que são vinte para as sete?

Nesse intervalo dei um telefonema e, para o meu gáudio, já são dez para as sete. Nunca na vida eu disse essa coisa de "para o meu gáudio". É muito esquisito. De vez em quando eu fico meio machadiana. Por falar em Machado de Assis, estou com saudade dele. Parece mentira mas não tenho nenhum livro dele em minha estante. José de Alencar, eu nem me lembro se li alguma vez.

Estou com saudade. Saudade de meus filhos, sim, carne de minha carne. Carne fraca e eu não li todos os livros. La chair est triste.

Mas a gente fuma e melhora logo. São cinco para as sete. Se me descuido, morro. É muito fácil. É uma questão do relógio parar. Faltam três minutos para as sete. Ligo ou não ligo a televisão? Mas é que é tão chato ver televisão sozinha.

Mas finalmente resolvi e vou ligar a televisão. A gente morre às vezes.

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E quanto dura esse "por enquanto"?

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)