sábado, abril 19, 2008

Toda a poesia

É para eu falar, talvez pela primeira vez aqui, da experiência de assistir a "Vinicius", ou qualquer que seja exatamente o nome (talvez pela décima oitava vez).

Emociono-me como se tivesse vivido a década de 30. Ou 40. Ou 50. Descubro-me saudosa de um tempo que não vivi.

Acho que sou meio bossa nova, meio rock´n´roll.

sexta-feira, abril 18, 2008

De profundis

Fixava os círculos concêntricos que surgiam e desapareciam, rapidamente, na superfície turva do lago - efêmeras cicatrizes deixadas pelas pedras. Buscava olhar o céu, as nuvens, mas a água estava lá: mergulho em si mesmo. Um inseto pousou na lâmina-d´água, imóvel. O improvável equilíbrio, e ele prestes a deslizar, chocando-se contra a superfície dura do mundo à sua volta. A falsa segurança da superfície da água: ondeou-se o espelho escuro do céu nublado, voou o inseto. Depois, silêncio. Apenas alguns círculos concêntricos às primeiras gotas de chuva.

terça-feira, abril 15, 2008

De manhãzinha


Acho que essa foi a minha última visão de sol, ainda que com o céu todo nublado, antes da chegada da mais recente frente fria. Às vezes é um privilégio acordar bem cedo, e ver o mundo antes que ele tenha tempo de se ordenar. É um privilégio poder captar o efêmero alaranjado do céu.

Agora, cobre meus olhos densa neblina que transforma em fraca sombra os eucaliptos tão perto. Aos poucos, vem o frio e me toma por inteiro.

Só porque se aproximam os feriados e os dias de sol e mar. Ou só mar?

segunda-feira, abril 14, 2008

Desfecho

Mastigava ruidosamente um chiclete de cheiro forte. Eu tentava olhar em seus olhos, mas não conseguia. A janela, o céu, a rua – tantos outros interesses. Eu tentava pegar em sua mão, mas não conseguia. Tentava dizer também alguma coisa, mas as palavras se congelavam em minha garganta, e eu não pude fazer nada além de pigarrear timidamente. Da rua vinha um barulho incessante de agitação, e eu tentando me fixar; fixar meu olhar no dela, minhas mãos nas dela, minhas idéias. Mas nada. Ela olhando a rua, eu sentado no chão, recostado numa parede. Havia já muito tempo que estávamos naquela situação ridícula. Horas? Não sei, talvez algumas poucas dezenas de minutos, mas eu tinha a sensação de que uma poeira de anos me cobria. Silêncio, é claro, se eu não considerasse o barulho da rua, lá fora. E o barulho do chiclete que ela ia mastigando ruidosamente que, àquela altura, já não devia ter mais gosto nenhum. Pelo menos ela estava fazendo alguma coisa, concentrando-se toda nos maxilares, violentamente, às vezes; eu buscava o que fazer, o que falar, mas havia um imenso vazio em torno de mim, um imenso e empoeirado vazio. Levantei-me do chão e me sentei na cadeira no canto da sala.

Ela estava à janela, concentrada lá fora e em seu chiclete. Então, eu disse, e só disse isso. Ela não olhou para mim, mas pude adivinhar que ela arqueou a sobrancelha direita como só ela sabia fazer, e o seu olhar adquiria um tom de piedade e deboche. Devagar, ela se virou. Primeiro, olhando o chão de madeira riscado, depois subindo aos poucos, parecendo examinar cuidadosamente os pés da cadeira em que eu estava sentado, olhando vagamente a parede nua, desviando-se inicialmente do meu rosto. Então, eu disse novamente, e ela perguntou então o quê, e eu não sabia o que dizer, mas só o fato de poder ouvir dela qualquer coisa que não fosse o som do chiclete barulhento significava-me um anúncio de reconciliação. Ela esperava que eu continuasse, eu só pude me levantar e segurar frouxamente suas mãos, e ela me olhou sem me dizer palavra, enquanto os olhos escuros cresciam e se tornavam quentes, densos e úmidos.

Não chore, foi o que consegui dizer, já começando a sentir minha própria voz embargada depois de tanto silêncio. Não chore, mas eu chorava; chorávamos quietos, quase sozinhos. Separava-nos a dor da poeira das horas, do vazio, das palavras ditas e não ditas, das palavras incompreendidas. Me desculpe, ela disse, e eu não soube o que fazer, apenas apertei suas mãos e puxei-as para um abraço quase violento, de soluços e espasmos. Me desculpe, ela disse, e não disse mais nada. Afastou-se do meu peito para olhar meu rosto, secou minhas lágrimas e me fitou como quem dissesse vem. Eu fui.

sexta-feira, abril 11, 2008

Viagem ao redor de mim mesma

O sorriso cravado na foto
Tulipa de plástico na poeira dos dias.
Sobre a mesa brilham os metais
E as recordações de palavras além.
Páginas e páginas cheias
De céu, de choro, de tudo
De tudo o que há.












E o que pesa
O que grita
O que dói
É o branco do papel
Enquanto dilacera-se, barulhento,
O mundo dentro de mim.

sexta-feira, abril 04, 2008

15h40

Uns olhos doces, doces, e as mãos me dizendo que podia chover o quanto de água houvesse para cair pelo resto daquela tarde. Que chova, ela dizia, eu pensava - e chovia. A voz dela escorria quente pela minha pele, e havia em seu cheiro algo da terra molhada lá de fora, a terra seca se abrindo à primeira chuva depois do estio. As mãos me dizendo que não era preciso dizer mais nada, e nós nos entendíamos apesar das palavras desencontradas e supérfluas. Beba o seu café, eu disse, vai esfriar, e ela me obedecia sem pensar nos gestos, levada que estava - que estávamos - pela sensação irrestível de, sem refletir, sem pesar, sem medir, deixar-se ir, deixar-se levar, levar, levar. Ela bebia o café enquanto eu a observava, e nós nos dizíamos, do fundo de nossas almas de jovens modernos, o mais antigo discurso amoroso. Nós nos levávamos, juntos, sem saber por quê, mas nos levávamos - e era bom, era bom, Deus, como era bom.

Ela me dizia que perdera o desejo do irresistível havia muito, e que se acostumara às emoções submetidas à ordem dos dias. Sabia o que esperar, sabia o que fazer e o que receber em troca. Passou a viver sem pensar no se. Sem pensar no ou. Até que.

Eu também me sentia um pouco como ela. Os anos anteriores pareciam alheia história. Todo o tempo organizado segundo critérios racionais e inteligentes. A otimização de tempo, de dinheiro, de esforços, de tentativas. Até que.

Chovia, e deixamo-nos levar. Era dia útil, horário comercial, e chovia. O mundo acontecia lá fora, os guarda-chuvas coloridos se esbarravam na calçada lotada. Havia tanta coisa a fazer, e deixamo-nos levar. Telefones tocavam, chamando-nos, mas já era tarde. A chuva carregou-nos para dentro um do outro. Dia útil. Horário comercial. E nós nos amávamos.

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)