quarta-feira, junho 27, 2007

Déjà vu

Ele andava firme entre as tímidas cerejeiras sem flores e folhas. Por mais fixos que estivessem os olhos, os pensamentos - ou impressões, ou sensações - não se seguravam por mais de breves momentos, e o ontem e o hoje e o amanhã - se ele existisse, se ele não fosse realmente uma continuação do hoje, e se as idéias sobre o tempo como um plano em que não há uma sucessão de acontecimentos fossem apenas abstrações inatingíveis para homens como ele - e o ontem, e o hoje, e o amanhã se misturavam estranhamente sem que ele pudesse evitar.

De repente, sentiu que aconteceria algo que já sabia que ia acontecer: abriu mais os olhos, e enxergou, entre surpreso e consciente, o carro vindo em sua direção, atravessando a curva, arremessando seus faróis contra seu abdome que antes parecia tão mais forte, e sentiu as placas de metal contra a sua pele macia e quente, e um peso sobre seus olhos que o obrigou a jogar-se, a render-se, a cair ruidosamente sobre a calçada.

Silêncio vermelho, visgo quente.

Olhos abertos novamente: o carro sumia na curva, despedindo-se em fumaça. Pés fixos no chão, as cerejeiras haviam ganhado flores róseas, adolescentes. Apertando os lábios, sentiu-se inteiro: passara o momento, e seus dedos podiam tocar os cabelos que mantinham-se arrumados. Amanhã, ontem, hoje, e ele se via ao longe, e ele se via ao longo da via em que andavam pessoas apreensivas com o tempo que passava, irreversivelmente.

Um dia, porém, o carro veio de verdade - e ficou. Cristalizou-se a vida - passada? - sem horas nem décadas. Calou-se o tique-taque incessante, as ruas perderam o rumor dos passos ansiosos. E ele viu: sim, ele viu o ontem, o hoje, o amanhã, unidos e indissolúveis, e viu-se sempre, e viu-se todo, e entendeu algo que jamais conseguiria formular. Mas ele viu. E agora sabe, sem palavras ou perguntas. Agora sabe o sempre.

quinta-feira, junho 14, 2007

Hi, everybody!

Acabei de me surpreender ao ver a data da última postagem neste espaço tão queridinho meu: já faz quase um mês. E este que é o mês em que este blog faz aniversário...

É aquele blá-blá-blá de sempre: falta de tempo, cabeça pensando sempre na decoração da sala ou no problema do piso do apartamento - sim, agora há um apartamento! Contas no lugar de palvras. Eu, como uma noiva que se preze, neurótica. Cada vez mais.

Sem voz, sem tempo, sem imaginação - a não ser para a combinação dos elementos decorativos! -, sem dinheiro para comprar um agradinho sequer - uma bolsa, um sapato, um casaco novo, um perfuminho -, atinjo a metade de junho já apavorada. Mas tenho, sim, alguma coragem e, por mais paradoxal que possa parecer, estou conseguindo gostar dessa loucura. É que essa coisa de montar o seu lugar, de fazer suas escolhas, por mais difíceis que sejam, é também uma realização - e gostosa! (Quem já fez, sabe disso. Quem não fez, vai saber ainda.)

Então estou aqui só pra dizer que, sim, estou bem, e viva, correndo feito uma louca, agindo como uma louca de vez em quando, mas eu volto. Talvez mais breve do que eu mesma imagino - é que nesses últimos dias umas palavras começaram a se juntar na minha cabeça sem que eu quisesse, e isso é pra mostrar que deve estar chegando a hora de escrever.

Ao trabalho, portanto! E à escolha das persianas...

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)