quinta-feira, novembro 30, 2006

(In)Utilidades de uma terça-feira

Estou sem idéia, sem imaginação. Ao mesmo tempo, sinto uma vontade quase irresistível de escrever. Escrever qualquer coisa, é verdade. Escrevo, portanto, alguns apontamentos sobre o dia de ontem.

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Todas as estações em só dia. Da mais densa neblina ao céu estrelado, com lua crescendo aos poucos. Do sol forte aos relâmpagos. Da garoa ao nublado que parecia outono. Temporal. A serra nas mais lindas cores.

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Comecei a amadurecer a pré-idéia que tive, terminando o banho uns dias atrás, de mudar todo, ou quase todo, o projeto da minha tese. Cismei de trabalhar Hilda Hilst. Mas não penso em abandonar Clarice Lispector. Pensei em trabalhar com a produção literária de motivação mais evidentemente financeira. É que saiu, já há alguns meses, um livro da Clarice chamado Correio feminino, uma coletânea de artiguinhos que ela escrevia para uma atriz. São bastante frívolos os artigos, pelo que vi na Fnac. E há também A via crucis do corpo, livro de contos escritos por encomendas. Pronto. "Mulheres que vendem". "Vender, escrever: estudos sobre a motivação de criação literária na escrita feminina". Mais idéias para possíveis títulos, por favor. E então eu associo os textos da Clarice, de alguma forma - eu tenho meus métodos -, ao tapa com luvas de pelica (ou gancho de direita, mesmo) que a Hilda Hilst deu no mercado editorial com O caderno rosa de Lori Lamby. Posso estar com idéias equivocadas. Mas são idéias. E acho que meu orientador vai comprar...

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Mas a Fnac é muito cara - dá até raiva! Ainda assim, saí de lá com um livro e dois CD´s, que ouvi na volta pra casa.

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Almoço no La Mole (seria melhor se não fosse no Barrashopping) com namorado. Exposição das idéias da possível futura tese. "Aluísio Azevedo é no Brasil talvez o único escritor que ganha o pão exclusivamente à custa de sua pena. mas note-se que apenas ganha o pão: as letras no Brasil ainda não dão para a manteiga..." Ótima a frase do Valentim Magalhães! Ótimo o google que me "lembrou" o autor da frase...

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É claro que Paulo Coelho ainda nem sonhava em nascer.

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E pra que eu fui tocar no assunto? Sim, lá está Paulo Coelho em todas as listas de mais vendidos, claro. Se a Hilda Hilst fosse viva e não conseguisse publicar suas poesias, iria escrever um livro de misticismo-auto-ajuda-descoberta-do-seu-eu-em-um-caminho-mágico em vez de bananeiras... ops, bandalheiras. Acho que venderia mais; o mundo está muito politicamente correto.

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O pior lugar para se comprar qualquer coisa é o Barrashopping. Uma sensação de completa impotência me toma. Eu não consigo me ordenar, eu não consigo ler tanta informação. E há aquelas terríveis sapatarias em que é preciso um leitor de código de barras para poder processar os milhares de modelos de sapatos - invariavelmente horrorosos - entulhados na vitrine.

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Mas consegui, enfim, comprar a sandália vermelha que queria há algum tempo. Só não tem nenhum saltinho, como queria. Fiquei feliz, contudo, porque já havia perdido todas as esperanças de conseguir algo para calçar estes meus pés de criança.

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Comprei um Scrabble para mim!!! Sempre via em filmes e seriados (Friends, sempre!) as pessoas jogando aquilo, sempre quis... Até Marcel, o macaco de Ross, já havia jogado Scrabble. Hoje fui à forra, e obriguei o namorado a jogar comigo. Ao menos ele gostou, e minha tirania foi atenuada. Eu ganhei, claro. Só não sei quantos "pis" - sim, a letra do alfabeto grego, 3,14! - eu escrevi para chegar à vitória...

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Mas vou ter que trabalhar também a obra quase transcendental da Hilda Hilst, o que está me enchendo de entusiasmo. Pode até ser uma idéia maluca. Mas é uma idéia. E veio do nada, como a idéia da minha dissertação, que ainda sonho em publicar (será que alguém se interessaria?).

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A propósito, vi na secretaria que o prazo para a minha defesa vai até o fim primeiro semestre de 2009. Não parece, mas passa rápido demais. E, daqui a menos de um ano e meio, eu estarei às voltas com a minha qualificação.

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É que viver às vezes assusta.

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Mas a gente lê, estuda, e aprende mais palavras para ganhar de todo o mundo no Scrabble. Nem que eu tenha que usar a palavra "sofomania". Sim, eu aprendi em Hilda Hilst.

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Ah! Essa não é de terça, é de domingo. Mas eu tenho que relatar... Eu chorei com o finalzinho de "Cidade dos Anjos", que já vi trezentas vezes, que eu conheço de cabo a rabo, que eu acho lindo, por mais que possam achar meloso, adocicado demais et coetera. Mas isso não foi o pior. Eu chorei com "Impacto Profundo". E copiosamente. De soluçar.

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Mas isso não foi o pior. Eu já havia chorado com "Impacto Profundo", uma outra ocasião. E copiosamente. De soluçar.

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Ah, estes hormônios...


quinta-feira, novembro 23, 2006

Despropositadamente

Há dias sem propósito, sem sentido, sem significado. Não vi o sol hoje, e a chuva foi pouca. Chuva chata, daquelas que deixam o lodo nos caminhos apagados. Sem muitos sons, sem muitas cores: sem palavras. Nenhuma grande sensação. Vazio. Estranho. Mas não o estranhamento que faz pensar, que faz sentir, que faz viver: um estranhamento tedioso, como se eu não estivesse aqui. As pessoas estão ao longe e caminham, paralelas. Não há aproximação.

Silêncio. Branco. Dormente.

Há dias sem propósito que duram mais que outros.

As letras se confundem nas páginas do livro. A música que ouço não chega a me empolgar. Silêncio dentro de mim. Suspensa.

Há dias.

segunda-feira, novembro 20, 2006

Visita

Ela me chegou fresca - começo de noite -, perfumada - quase dezembro -, cabelos molhados de banho e de chuva. Não havia lua no céu, mas o vento eriçava os pêlos da nuca que se mostravam ao mais sutil balanço do rabo-de-cavalo. Eu não posso, pensei. Ela se pôs ao meu lado, e o cheiro de terra e ducha morna me entranhou as narinas e foi me entorpecendo. Eu não posso, murmurei. Mas havia uma tepidez no que ela falava, as sílabas pronunciadas indolentemente... Eu não posso, suspirei. Ela sentou-se distante, voltei ao trabalho. As palavras confusas, sujeitos sem predicados, idéias fora do lugar. Havia um livro, e ele se abria sem sorrisos, e o perfume dela vinha da sala até mim, e a luz fria da tela do computador me fazia piscar excessivamente, e as letras já se embaralhavam sem fazer sentido algum. O cheiro. Ah, o cheiro. Chamei-me ao mundo. Peguei café - balde de água quente. "A jurisdição como expressão do poder estatal é uma só, não comportando divisões ou fragmentações: cada juiz, cada tribunal, é plenamente investido dela. Mas o exercício da função é distribuído, pela Constituição e pela lei ordinária, entre os muitos órgãos jurisdicionais..." Não, não dava. Ela ouvia música baixinho, cantarolando na sala. Não queria me atrapalhar. Como poderia trabalhar daquela forma?

Os prazos para cumprir. Tantas coisas sendo cobradas. E ela lá, no verão. E ela aqui, na verdade. E nós aqui. Os prazos para cumprir, os pêlos da nuca que se mostravam ao mais sutil balanço do rabo-de-cavalo. As sílabas indolentes, predicados sem sujeitos. Ela é uma só, não comporta divisões ou fragmentações - ainda assim, eu fitava separadamente os pés, as pernas, os braços, o colo, a nuca. Os pêlos da nuca, eriçados. Plenamente. Derramei café no teclado do computador.

Ela socorreu prontamente. Mais que depressa, limpou a sujeira que fiz, inclinou-se sobre a mesa, roçou sua coxa na minha. A chuva lá fora, os cabelos já secos cheirando a mato. Ela preferia que eu dissesse ervas, não gostava de "mato", achava primitivo demais. Delicioso cheiro de mato. Colei o nariz em seu braço, senti que os pêlos da nuca se eriçaram ainda mais. Pressenti. Ela disse que não podia. Que eu não podia. Os prazos para cumprir, tantas coisas sendo cobradas. O verão nos esperaria no dia seguinte.

Obedeci - balde de água fria. Mas as coisas continuavam sem sentido, transitivos sem objetos. Então me dirigi, devagar, à sala, a ela, ao verão. Ela, fingindo-se criança que supõe não ser notada. O mais antigo truque, o mais perfeito artifício. Ofereceu resistência, ainda. Disse, pronunciando mal as palavras, que deveria voltar ao trabalho - e eu a ignorei solenemente. Não a ela, mas às palavras que eram justamente o que ela desdizia, o inverso do que pedia.

Os prazos para cumprir. As mãos enfraquecidas pousadas sobre a almofada - silenciosos suspiros. Já as palavras voltavam a fazer sentido, sujeitos com predicados, ainda que entrecortados de vírgulas - esses suspiros. As coisas sendo cobradas. A tela do computador se fez compreensível.

E ela lá, no verão. Perto de mim, silenciosa. Os prazos para cumprir. A vida para viver.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Do amanhecer e seus silêncios

Não agora, meu bem,
Que recai sobre mim o peso
da madrugada que se curva sob o sol.
Não agora, meu bem,
que o secreto amanhecer
se faz visível.
Oferece-me apenas teus dedos longos,
o cheiro dos cabelos noturnos.
Fica em silêncio e fecha os olhos,
sente o cheiro do dia que chega
sem pedir permissão.
Por ora, não.
Por ora quero o difícil prazer
do não sentir -
sentir-me quase nada,
sentir-me o mundo inteiro -,
sabendo-me vulgar e tola.
Sabendo-me qualquer um.
Por ora quero o canto estridente
dos pássaros que habitam os fios.
Por ora quero o gosto
do sono que chega,
cores sem sentido na montanha
que não conheço.
Por ora quero ouvir o mundo
dentro de mim, e inventar-lhe
qualquer outra irrealidade.
Não agora, meu bem,
que quero este momento
para sempre impresso
e revisitado:
silêncio de quem ressona,
pele morna, adocicada,
cheiro de quietude e proximidade,
ainda que distantes.
Cheiro de breve saudade.
Não agora, meu bem:
o mundo é grande,
e sempre escutarei
os incompreensíveis e ternos
murmúrios dos teus lábios
de amigo e amante.

quinta-feira, novembro 09, 2006

Desconexa

Como diz uma professora da Pedagogia, estou "linkando" muito as coisas. Tenho feito associações - algumas insólitas - a cada momento, e minha cabeça anda fervilhando de palavras. Desconexas, muitas vezes. E as associações multiplicam-se em progressão geométrica - matéria que eu estudei só pra passar no vestibular, e da qual, hoje em dia, só me resta a expressão forte e clichê.

Estou "linkando" muitas coisas. E minha cabeça fervilha de idéias em que vou me perdendo e só me restam as sombras dos caminhos... Várias coisas a serem escritas, mas a cabeça anda tão cheia que está difícil até mesmo selecionar.

Eu gostaria, apenas, de poder completar um único e simples raciocínio. Mas o sono vem e instaura-se uma certa confusão mental. Já não sei mais o que escrever, em que momento, em que lugar. Por isso mais este texto que não era pra ter nascido.

E, mais uma vez, eu termino algo pedindo desculpas por tê-lo feito.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Mural

Acho que é a primeira vez que cito Adélia Prado neste blog. Em tempos de pouca e parca inspiração, resta-me citar. E cito um dos bons:

GÊNERO

Desde um tempo antigo até hoje,
quando um homem segura minha mão,
saltam duas lembranças guarnecendo
a secreta alegria do meu sangue:
a bacia da mulher é mais larga que a do homem,
em função da maternidade.
O Osvaldo Bonitão está pulando o muro de dona Gleides.
A primeira, eu tirei de um livro de anatomia,
a segunda, de um cochilo de Maria Vilma.
Oh! por tão pouco incendiava-me?
Eu sou feita de palha,
mulher que os gregos desprezariam?
Eu sou de barro e oca.
Eu sou barroca.

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Na verdade, esse poema tem algo em comum com um texto - ou um pedaço dele - que está há tempos na minha cabeça, mas eu, indolente, deixo-o sempre para depois. Talvez sirva como um incentivo. Vontade de escrever, vontade de falar. Palavras. Palavrório, talvez. De toda forma, promessa de texto novo. E meu - o que não é garantia alguma de que será bom!

"A linguagem é uma pele: fricciono minha linguagem contra o outro. Como se eu tivesse palavras à guisa de dedos, ou dedos na ponta de minhas palavras." (Roland Barthes)